quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Quem domina os Estados Unidos?

por James Petras
Introdução

No sentido mais vasto e profundo, entender como o sistema político americano funciona, como são tomadas as decisões da guerra e da paz, quem consegue o que, como e porque, exige que levantemos a questão de "Quem domina os Estados Unidos". Quem cuidar da questão da 'dominação' precisa clarificar muitos mal entendidos, particularmente a confusão entre os que estabelecem as decisões governamentais e os parâmetros institucionais sócio-económicos que definem os interesses a serem servidos. A 'dominação' é exigente: ela define as 'regras' a serem seguidos pelos decisores políticos e administrativos na formulação dos gastos orçamentais, impostos, trabalho e legislação social, política comercial, questões militares e estratégicas da guerra e da paz. As 'regras' são estabelecidas, modificadas e ajustadas de acordo com a composição específica dos sectores principais de uma classe dominante (CD). As regras alteram-se com mudanças no poder no interior da classe dominante. Mudanças no poder podem reflectir a dinâmica interna de uma economia ou a posição cambiante de sectores económicos na economia mundial, particularmente a ascensão e declínio de competidores económicos.

As 'regras' impostas por um sector económico da CD num momento de condições favoráveis na economia mundial serão alteradas quando emergem novos sectores económicos dominantes e condições externas desfavoráveis enfraquecem os antigos sectores económicos dominantes. Como descreveremos abaixo, o declínio relativo e absoluto do sector manufactureiro americano está directamente relacionado com a ascensão de um 'sector financeiro' multidimensional e com a maior competitividade de outros países manufactureiros. O resultado é uma aceleração do processo de liberalização da economia favorecida pela ascensão dos sectores financeiros. A liberalização em busca de fluxos desregulamentados de investimentos, buyouts, aquisições e comércio aumenta os lucros do sector financeiro, as suas comissões, rendimentos e bonus. A liberalização facilita a aquisição de activos pelo sector financeiro. A competitividade em declínio da classe dominante ligada ao sector manufactureiro, dependente do proteccionismo estatal e de subsídios, conduz a políticas de 'guardar as costas', tentando amoldar uma incómoda política de liberalização no exterior e de proteccionismo no plano interno.
A resposta à questão de quem domina depende da especificação do momento histórico e do lugar na economia mundial. A resposta é complicada pelo facto de que mudanças entre 'sectores' da classe dominante envolvem um prolongado 'período de transição'. Durante este período os sectores em declínio e em ascensão podem misturar-se e os membros da classe dos sectores declinantes 'convertem-se' para o sector em ascensão. Portanto, enquanto o poder entre sectores económicos pode mudar, os principais agrupamentos de classe podem não perder ou declinar. Eles meramente mudam os seus investimentos e adaptam-se às novas e mais lucrativas oportunidades criadas pelo sector em ascensão.
Exemplo: enquanto o sector manufactureiro americano tem declinado relativamente ao 'capital financeiro', muitas das maiores instituições de investimento mudaram-se para os novos 'sectores financeiros em crescimento'. Ao mesmo tempo, os sectores convertidos da classe dominante comutarão as suas políticas rumo a maior liberalização e desregulamentação, portanto enfraquecendo severamente os pedidos de protecção do não competitivo sector manufactureiro. Igualmente importante dentro dos sectores económicos em declínio da CD, mudanças estruturais drásticas podem seguir-se, para recuperar retornos lucrativos e reter influência e poder. A mais importante destas mudanças é a relocalização da produção além mar devido aos baixos salários, baixos impostos, não sindicalização, à introdução de tecnologia da informação concebida para reduzir custos laborais e aumentar a produtividade, e a diversificação da actividade económica para incorporar 'serviços' financeiros lucrativos.
Assim, a General Electric, por exemplo, transferiu-se da manufactura para os serviços financeiros, relocalizou off-shore a actividade intensiva e computorizou as operações. Através destes movimentos, a distinção entre 'manufactura' e capital financeiro foi tornada obsoleta na descrição da 'classe dominante'.
Na medida em que capitalistas manufactureiros mais antigos retêm algum peso económico e político na CD, eles assim o fazem através da sub-contratação na Ásia e no México (General Motors/Ford), investem em fábricas além mar para capturar mercados estrangeiros, ou foram convertidos em grande parte em operadores comerciais e de importação (sapatos, têxteis, brinquedos, electrónica, chips de computadores).
Os fabricantes com base local que permanecem na CD são encontrados sobretudo entre empreiteiros militares que vivem das benesses dos gastos do estado e dependem do apoio político do Congresso e de responsáveis sindicais, ansiosos por assegurar emprego para uma força de trabalho manufactureira que está a encolher.
Durante este período transicional de mudanças rápidas e amplas na classe dominante, enormes oportunidades financeiras abriram-se por todo o mundo. Devido a tensões políticas dentro da 'classe governante', decisores chave são retirados directamente das instituições mais representativas da Wall Street. Políticas económicas chave, especialmente aquelas que são mais relevantes para a CD, tendem a estar esmagadoramente nas mãos de testados e experientes líderes de topo da Wall Street.
Apesar da (ou devido à) ascendência de vários sectores do capital financeiro na CD, e seus acordos para um conjunto de políticas económicas 'liberalizadoras', eles não são homogéneos em todas as suas perspectivas políticas, filiações partidárias, ou na sua perspectiva política externa. A maior parte destas diferenças políticas são questões de pouca importância — excepto sobre uma questão onde há uma grande e crescente fractura, nomeadamente no Médio Oriente. Um sector da CD fortemente alinhado com o estado de Israel apoia uma política belicosa contra os adversários do estado judeu (Irão, Síria, Hesbollah e Palestina) em oposição a um outro sector da CD favorável a uma abordagem diplomática, destinada a assegurar laços mais estreitos com elites árabes e persas. Dada a viragem altamente militarizada na política externa dos EUA (devida em grande parte à ascendência do ideólogos neo-conservadores, a forte influência do lobby sionista, e à instabilidade e fracassos das suas políticas no Médio Oriente e na China), a CD tem pressionado e assegurando o controle directo sobre a política económica externa.
As tensões e conflitos dentro da CD – especialmente entre os siocons (Ziocons) e os 'free marketeers' – tem sido encobertas pelos enormes benefícios económicos que se acumulam em todos os sectores. Todos os sectores da CD tem sido enriquecidos pela Casa Branca e pelas políticas do Congresso. Todos tem-se beneficiado da ascendência dos 'regimes liberalizados' por todo o mundo. Eles têm colhido os ganhos da fase expansionista da economia internacional. Enquanto todos os sectores financeiro, imobiliário e comercial tem sido os principais beneficiários, foram os grupos financeiros, particularmente os bancos de investimento, que determinaram o caminho e proporcionaram a liderança política.

Ascendência do capital financeiro
O 'capital financeiro' tem muitas faces e não pode ser compreendido sem referência a sectores específicos. Bancos de investimento, fundos de pensão, hedge funds, caixas económicas, fundos de investimento são apenas algumas das operações de uma economia de multi triliões de dólares. Além disso, cada um destes sectores têm departamentos especializados empenhados em tipos particulares de actividade especulativa-financeira, incluindo commodities e divisas, trading, consultoria e administração de aquisições e fusões. Apesar de umas poucas exposições, casos em tribunal, multas e alguma prisão ocasional, o sector financeiro escreve as suas regras, controla os seus reguladores e tem licença assegurada para especular sobre tudo, em toda a parte e todo o tempo. Eles criaram a estrutura ou universo no qual têm lugar todas as outras actividades económicas (manufactura, vendas a retalho e imobiliário).
O 'capital financeiro' não é um sector isolado e não pode ser contraposto à 'economia produtiva' excepto quando muito na 'actividade local'. Em grande medida o capital financeiro interage com e é a força condutora essencial da especulação imobiliária, do agro-negócio, da produção de commodities e da actividade manufactureira. Em grande medida os 'preços de mercado' são tão influenciados pela intervenção especulativa como o são pela 'oferta e procura'. Igualmente importante, toda a arquitectura do 'império de papel' (todo o complexo de investimentos financeiros inter-relacionados) está em última análise dependente da produção de bens e serviços. A estrutura do poder e da riqueza assume a forma de um triângulo invertido no qual um vasto exército de trabalhadores, camponeses e empregados assalariados produz valor o qual torna-se a base de instrumentos financeiros próximos e remotos, lucrativos e especulativos. A transferência de valor das actividades produtivas do trabalho para cima através das escadas e ramos dos instrumentos financeiros é efectuada através de vários veículos: propriedade financeira directa de empresas, crédito, alavancagem de dívida, buyouts e fusões. A tendência dos 'capitalistas produtivos' é para por em movimento uma empresa, inovar, explorar trabalho, capturar mercados e a seguir 'vender' ou ir para o 'público' (oferta de acções). O sector financeiro actua como intermediário combinado, administrador, comprador-substitutivo (proxy-purchaser) e consultor, capturando comissões e expandindo seus impérios económicos e… preparando o caminho para níveis mais altos de aquisições e fusões… O 'capital financeiro' é a parteira da concentração e centralização da riqueza e do capital bem como o possuidor directo dos meios de produção e distribuição. Da exigência de um 'tributo' ou 'renda' (comissão ou taxa) cada vez maior sobre cada transacção de capital em grande escala, o 'capital financeiro' moveu-se para a penetração e o controle de um enorme conjunto de actividades económicas, transferindo capital através de fronteiras nacionais e sectoriais, extraindo lucros e desfazendo-se de participações conforme o negócio, o produto e o ciclo de lucro.
No interior da classe dominante, a elite financeira é o componente mais parasitário e ultrapassa os patrões corporativos (CEOs) e a maior parte dos empresários em riqueza e recebimentos anuais. Não chega aos rendimentos anuais e activos de empresários super-ricos como William Gates e Michael Dell.
A classe dirigente financeira é estratificada internamente em três sub-grupos: no topo estão os grandes banqueiros privados (equity bankers) e administradores de hedge-funds, seguidos pelos executivos chefe da Wall Street, que por sua vez estão acima do círculo seguinte de sénior associates ou vice-presidentes de grandes fundos privados (equity funds) os quais são seguidos pelos homólogos dos fundos públicos da Wall Street. Os administradores de topo e executivos dos hedge funds fizeram US$ 1 mil milhão ou mais por ano — várias vezes o que os Chief Executive Officers (CEOs) fazem na comercialização pública em casas de investimento. Em 2006, por exemplo, Lloyd Bankfein, CEO da Goldman Sachs, recebeu US$ 53,4 milhões, ao passo que Dan Ochs, executivo do hedge fund OchZiff Capital, pagou a si próprio US$ 220 milhões. Naquele mesmo ano o CEO do Morgan Stanley recebeu US$ 40 milhões, ao passo que ao executivo chefe do hedge fund Citadel foram pagos US$ 300 milhões.
Enquanto os especuladores dos 'hedge funds' recebem os mais altos salários anuais, o executivos dos private equity podem igualar suas centenas de milhões de pagamentos através de comissões de transacções e pagamentos de dividendos especiais a partir da carteira de acções das companhias. Isto foi especialmente verdadeiro em 2006 quando os buyouts alcançaram um record de US$ 710 mil milhões. As grandes somas para os patrões dos private equity vêm das posições acumuladas que os executivos têm nas carteiras das companhias. Eles tipicamente "desnatam" 20% dos lucros, os quais são realizados quando um grupo vende ou lista uma carteira da companhia. Naquele momento, os pagamentos diários andavam nas centenas de milhões de dólares.
O subconjunto da classe dirigente financeira é constituída pelos 'banqueiros júnior' das firmas de private equity que recebem cerca de US$ 500 mil por ano. No degrau da base estão os 'banqueiros júnior' da comercialização pública em casas de investimento ('Wall Street') que ganham em média US$ 350 mil por ano. A classe dirigente financeira é constituída por estas elites multi-bilionárias dos hedge funds, equity bankers privados e públicos e seus associados em grandes e prestigiosas firmas de incorporações legais e contabilidade. Eles por sua vez estão ligados às autoridades judiciais e regulamentares, através de indicações políticas e contribuições, e pela sua posição central na economia nacional.
Dentro da classe dominante financeira, a liderança política habitualmente não vem dos especuladores de hedge funds mais ricos, ainda menos dos 'banqueiros júnior' Os líderes políticos vêm dos equity banks públicos e privados, nomeadamente da Wall Street – especialmente Goldman Sachs, Blackstone, Carlyle Group e outros. Eles organizam e financiam os dois maiores partidos e suas campanhas eleitorais. Eles pressionam, negociam e redigem a legislação mais compreensiva e abrangente sobre estratégias globais (liberalização e desregulamentação) e políticas sectoriais (reduções em impostos, pressão governamental sobre países como a China para 'abrirem' seus serviços financeiros à penetração estrangeira e assim por diante). Eles pressionam o governo para 'salvar' ('bailout') da bancarrota firmas especulativas fracassadas e para equilibrar o orçamento através da redução de despesas sociais ao invés da elevação de impostos sobre lucros 'inesperados'.


A dança dos milhares de milhões: O capital financeiro colhe os lucros do seu poder
Os especuladores do mundo tiveram um ano espectacular em 2006 quando as global equities atingiram ganhos de dois dígitos nos mercados americano, europeu e asiáticos. A China, o Brasil, a Rússia e a Índia foram centros de lucros especulativos desmedidos quando o índice FTSE da China ascendeu 94%, o mercado de acções da Rússia subiu 60%, o Bovespa do Brasil cresceu 32,9% e o Sensex da Índia escalou 46,7%. Em grande media os mercados de acções subiram devido ao crédito barato (para especular), à forte liquidez (enormes lucros e rendas financeiras, do petróleo e de commodities) e das chamadas 'reformas' que deram a investidores estrangeiros maior acesso a mercados na China, Índia e Brasil. O maiores lucros na especulação no mercado de acções verificaram sub putativos regimes de 'centro-esquerda' (Brasil e Índia) e 'comunista' (China), os quais realinharam-se aos mais retrógrados sectores das suas classes dominantes financeiras.
O boom do mercado de acções da Rússia reflecte um processo diferente que envolve a renacionalização dos sectores do gás e do petróleo e dos contratos de concessão a companhias europeias/americanas de petróleo e gás (Shell, Texaco). Em resultado disto enormes lucros inesperados foram reciclados internamente entre os milionários da nova era de Putin que têm estado empenhados em consumo conspícuo, especulação e investimento em joint ventures com fabricantes estrangeiros de indústrias relacionadas com o transporte e a energia.
A mutação rumo ao capital especulativo controlado pelo estrangeiro que emerge na China, na Índia e no Brasil, em oposição ao investimento com financiamento 'nacional e estatal' na Rússia explica a hostilidade irracional e vitriólica manifestadas pela imprensa financeira ocidental para com o presidente Putin.
Uma das maiores fontes da obtenção de lucros está na área das 'fusões e aquisições' ('mergers and acquisitions', M&A) — a compra e venda de conglomerados multinacionais, com US$ 3900 mil milhões de transacções em 2006. Os bancos de investimento tomaram US$ 18,8 mil milhões de dólares em 'comissões' ('fees') que levaram a bónus muitos milhões de dólares para os banqueiros de 'M&A'. Os M&A, hostis ou amistosos, são actividades amplamente especulativas alimentadas pelo endividamento barato e que conduzem a maior concentração da propriedade e dos lucros. Hoje diz-se que 2% das famílias possuem 80% dos activos mundiais. Dentro desta pequena elite, uma fracção incrustada no capital financeiro possui e controla o grosso dos activos mundiais e organiza e facilita novas concentrações de conglomerados. O valor das M&A especulativas numa escala mundial é 16% mais elevado do que na altura do boom especulativo das DOTCOM em 2000. Só nos EUA mais de US$ 400 mil milhões de valores em transacções equity deals efectuados em 2005, três vezes mais elevado do que no ano anterior.
Para entender quem são os principais membros da classe dominante financeira basta apenas olhar para os dez principais private equity banks e o valor e número de negócios de M&A nos quais estiveram envolvidos:
Classificação dos private equity por negócios de M&A (ano até 20/Dez/2006)
(Financial Times 12/27/2006 p 13 - FT montagem: Bob Haslett)
O facto crucial é que estes private equity banks estão envolvidos em todos os sectores da economia, em todas as regiões da economia mundial e especulam cada vez mais com os conglomerados que adquirem.
Na era do predomínio do capital financeiro especulativo não é surpreendente que os três principais bancos de investimento – Goldman Sachs, Lehman Brothers e Bear Stearns – relatem lucros récord anuais, com base na sua expansão na Europa e na Ásia, e na sua transferência de lucros da manufactura e dos serviços para o sector financeiro. No ano de 2006, a Goldman Sachs (GS) registou o ano mais lucrativo desde sempre para um banco de investimento da Wall Street, na base dos grandes (especulativos) "ganhos comerciais e de investimento lucrativo nas piores e mais fedorentas oficinas da Ásia. A GS relatou um salto de 69% nos rendimentos anuais, para US$ 9,54 mil milhões. Os bancos equity Lehman Brothers (LB) e Bear Steams (BS) também registaram rendimentos récord. A LB ganhou um récord de US$ 4 mil milhões durante o ano. A SB ganhou um récord de US$ 2,1 mil milhões. Neste ano a Lehman pôs de lado cerca de US$ 334 mil para o banqueiro júnior, ao passo que os especuladores de topo e os banqueiros ganharam um grande múltiplo daquela quantia.
Durante 2006 as receitas da banca de investimentos atingiram aproximadamente US$ 38 mil milhões, a serem comparados com os US$ 25 mil milhões de 2004 — um aumento de 34% ( Financial Times, 13/Dez/2006).
O domínio do capital financeiro tem sido nutrido pela actividade especulativa dos tesoureiros (controllers) e directores de companhias possuídas pelo estado. A propriedade 'estatal' é uma expressão ambígua pois levanta uma nova questão mais precisa: 'Quem possui o estado'? No Médio Oriente há sete companhias de petróleo e gás possuídas pelo estado. Em seis daquelas companhias os principais beneficiários são uma pequena elite dirigente. Eles reciclam seus rendimentos e lucros através de bancos de investimento dos EUA e da UE sobretudo em títulos, imobiliário e outros instrumentos financeiros especulativos (FT, 15/Dez/2006, p. 11). A propriedade estatal e o capital especulativo no contexto de estados fechados tipo Golfo são actividades complementares e não contraditórias. O regime dominante no Dubai converte a renda petrolífera na edificação de um centro financeiro regional. Muitos judeus-americanos que dirigem bancos de investimento na Wall Street coabitam com as novas casas de investimento de base islâmica, tanto uma como outras a recolherem retornos especulativos.
Muitos dos fundos de investimento agora nas mãos de bancos de investimento americano, hedge funds e outros sectores da classe dominante financeira tiveram origem em lucros extraídos dos trabalhadores no sector manufactureiro e dos serviços. Dois processos inter-relacionados conduziram ao crescimento e domínio do capital financeiro: a transferência de capital e lucros do sector 'produtivo' para o financeiro e especulativo e a transferência de capital financeiro para além mar, na forma de tomadas (take-overs) de activos estrangeiros que agora equivalem a cerca de 80% do PIB dos Estados Unidos. As raízes do capital financeiro estão entranhadas em três tipos de exploração intensificada: 1) do trabalho (via extensão de horas, transferência de pensão e custos de saúde do trabalho para o capital, congelamento do salário mínimo, salários reais estagnados e em declínio); 2) dos lucros da manufactura (através de rendas mais elevadas, transferências inter-sectoriais para instrumentos financeiros, pagamentos de juros, taxas e comissões por fusões e aquisições); e 3) via políticas fiscais do estado, pelo rebaixamento dos impostos sobre ganhos do capital, aumento de impostos por cancelamento de dívida e incentivos fiscais para investimentos além mar e imposição de impostos regressivos a nível local, estadual e federal.
O resultado é o crescimentos da desigualdade entre, por um lado, banqueiros sénior e júnior, públicos, privados, directores de investimentos e hedge funds, e sua corte de juristas, contabilistas e, por outro lado, trabalhadores assalariados. Os rácios de rendimento vão de 400 a 1 e de 1000 a 1, entre a classe dominante e os trabalhadores assalariados medianos está é a norma.

Crise da classe trabalhadora e média (começa a preocupar a classe dominante)
Os padrões de vida para a classe trabalhadora e média e os pobres urbanos declinaram substancialmente ao longo dos últimos trinta anos (1978-2006), a um ponto em que se pode apontar para uma crise em desenvolvimento. Enquanto os salários horários reais em dólares constantes de 2005 haviam estagnado, os custos de saúde, pensão, energia e educacionais (cada vez mais suportados pelo trabalhadores assalariados) dispararam. Se extensões de tempo de trabalho e de intensificação da produção no lugar de trabalho (aumentos na produtividade) forem incluídas na equação, é claro que as condições de vida (incluindo as de trabalho) declinaram agudamente. Mesmo a imprensa financeira pode escrever artigos com o título: "Por que americanos comuns perderam os benefícios do crescimento" (FT, 02/Nov/2006, p.11).
Os bancos financeiros e de investimento têm a responsabilidade de aconselhar e dirigir a 'reestruturação' de empresas para fusões e aquisições através do downsizing, outsourcing, pagamentos em retorno (give-backs) e outras medidas de contenção de custos. Isto levou à mobilidade descendente dos trabalhadores assalariados que mantêm os seus empregos ainda que a sua estabilidade seja mais precária. Por outras palavras, quanto maior os salários, bónus, lucros e rendas para a classe dominante financeira empenhada na 'reestruturação' para M&As, maior o declínio nos padrões de vida para a classe trabalhadora e média.
Uma avaliação da enorme influência da classe dominante financeira no aumento da exploração do trabalho encontra-se na enorme disparidade entre produtividade e salários. Entre 2000 e 2005 a economia americana cresceu 12% e a produtividade (medida pelo produto por hora trabalhada no sector de negócios) ascendeu 17% aos passo que os salários hora elevaram-se apenas 3%. O rendimento real das famílias caiu durante o mesmo período (FT, 02/Nov/2006, p.11). Segundo um inquérito no fim de Novembro de 2006, três quartos dos americanos dizem que estão em situação pior ou não melhor do que estavam há seis anos atrás (FT, 03/Nov/2006, p.13).
O impacto das políticas da classe dominante financeira tanto sobre o sector manufactureiro como sobre o de serviços transcende o seu lucro de desnatamento, alavancagem de crédito em operações de negócios e práticas de gestão. Ele abarca toda a arquitectura do rendimento, do investimento e da estrutura de classe. O crescimento de vastas desigualdades entre os recebimentos anuais da classe dominante financeira e o salário médio dos trabalhadores atingiu níveis sem precedentes. A elite financeira recebe algo que tem a amplitude de um rácio de 500 a 1000 vezes do de um trabalhador médio, dependendo da nossa concepção, mais estreita ou mais ampla, da classe dominante financeira.
Os membros da classe dominante financeira têm notado estas vastas e crescentes desigualdades e exprimem alguma preocupação sobre as suas possíveis repercussões sociais e políticas. Segundo o Financial Times (21/Dez/2006), o bilionário Stephen Schwartzman, CEO do private equity grupo Blackstone, advertiu "que o aprofundamento do fosso entre os pacotes de pagamentos perdulários da Wall Street e os salários estagnados da América média arrisca provocar uma reacção política e social adversa contra os 'Novos Ricos' dos Estados Unidos". O secretário do Tesouro e antigo CEO da Goldman Sachs, Hank Paulson, admitiu que a estagnação do salário mediano era um problema e que em meio à "forte expansão económica muitos americanos simplesmente não estão a sentir (sic!) os benefícios" (FT, 02/Nov/2006, p.11).
Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve Bank testemunhou perante o Senado que "a desigualdade é potencialmente uma preocupação para a economia americana… na medida em que rendimentos e riqueza estão a distanciar-se. Penso que não é uma boa tendência" (Ibid). Em 2005 a proporção do rendimento nacional em relação ao PIB que ia para lucros, rendas e outras fontes não salariais está num nível récord — 43%. A desigualdade na distribuição do rendimento nacional nos EUA é a pior em todo o mundo capitalista desenvolvido. Além disso, estudos de dados de séries temporais revelam que nos EUA a desigualdade aumentou a maior distanciamento e a mobilidade social intergeracional era de longe mais difícil nos EUA do que em qualquer país na Europa Ocidental. O crescimento de monstruosas e rígidas desigualdades de classe reflecte a estreita base social de uma economia dominada pelo capital financeiro, suas penetrantes ligações inter-geracionais e as exorbitantes taxas de entrada (US$ 50 mil por ano de ensino com quarto e refeições) nas universidades privadas da elite e nas pós-graduações nas business schools. Igualmente importante, o poder político do capital financeiro e dos seus conglomerados 'associados' exerce poder político incontestável nos EUA em comparação com qualquer país na Europa. Em consequência, o governo dos EUA redistribui muito menos através dos impostos e da segurança social, saúde e sistema educacional do que outros países. (ibid)
Enquanto alguns dirigentes financeiros exprimem uma certa ansiedade acerca de uma 'reacção adversa' devido ao aprofundamento da divisão de classe, nem um único apoia publicamente quaisquer impostos ou outras medidas redistributivas. Ao invés disso eles clamam por melhorias educacionais, retreinamento para emprego e maior mobilidade geográfico, embora seja precisamente a classe média educada que está a sofrer estagnação salarial.
Nem a maioria do Partido Democrata no Congresso, nem o executivo controlado pelos Republicanos apresentam quaisquer propostas para desafiar o domínio da classe dominante financeira, nem tão pouco há quaisquer propostas para reverter as suas políticas mais retrógradas que estão a provocaram o crescimento das desigualdades, estagnação dos salários e o crescimento da rigidez da estrutura de classe. A razão para isto foi relatada no Wall Street Journal e no Financial Times. Um bloco esmagador dos fundos que os Democratas colectam nacionalmente para campanhas eleitorais vem tanto dos financeiros da Wall Street como dos empresários de software da Silicon Valley. (FT, 03/Nov/2006, p.13). A campanha eleitoral democrata para o Congresso foi controlada estreitamente pelos dois democratas favoritos da Wall Street, o senador Charles 'Israel Primeiro' Schumer e o congressista Rahm Immanuel, que selectivamente financiaram candidados que eram pró-guerra, pró-Wall Street e incondicionalmente pró-Israel. Democratas criticaram responsáveis por comités estratégicos do Congresso como Zion-Lib Barney Frank por anunciarem terem 'boas relações de trabalho' com a Wall Street.

A classe dominante financeira também governa
As classes dominantes dominam a economia, estão no topo da estrutura social e estabelecem os parâmetros e regras dentro das quais operam os políticos. Mais frequentemente, poucos de facto empenham-se directamente na política do Congresso, preferindo construir impérios económicos enquanto canalizam dinheiro para candidatos preparados para fazerem os seus lances. Só quando se verifica uma aparente divisão, especialmente dentro do executivo, entre os interesses das classe dominante e as políticas do regime é que os membros da elite da classe dominante intervêm directamente ou assumem uma posição de executivo sénior para 'rectificar' a política.

O poder político da classe dominante: Paulson toma conta do Tesouro
Durante o regime Bush verificaram-se várias divergências agudas entre o capital financeiro e os decisores políticos. Estas políticas prejudicaram ou ameaçaram danificar seriamente importantes sectores da classe dominante financeira. Elas incluem: 1) as políticas militaristas agressivas e proteccionistas prosseguidas por responsáveis superiores do Pentágono e por senados 'Sio-con' em relação à China; 2) o veto político do Congresso à venda da administração de um porto americano a uma companhia pertencente a um estado do Golfo e de uma companhia de petróleo à China; 3) o fracasso do regime Bush em assegurar a privatização da segurança social e em enfraquecer as medidas regulamentares introduzidas em consequência de burlas em corporações gigantes (Enron e World Com) e na Wall Street; 4) a necessidade de por um travão ao crescimento incontrolado de défices fiscais resultantes das guerras no Médio Oriente, no inchaço dos défices comerciais e no enfraquecimento do dólar.
As manchetes da imprensa financeira (FT, 04/Dez/2006, p.3) explicitam a intervenção directa do capital financeira na elaboração de decisões chave da Casa Branca:

"Responsável de topo da Goldman Sachs exerce o comando na Casa Branca" e "Ex-executivos da banca detêm poder sem precedentes dentro da administração americana"
Durante longo tempo as classes dominantes financeira e manufactureira influenciaram, aconselharam e formularam a política para presidentes norte-americanos. Mas dadas as apostas, os riscos e as oportunidades que confrontam a classe dominante financeira, ela moveu-se directamente para postos chave no governo. O que é especialmente sem precedentes é a presença dominante de membros de um banco de investimentos — Goldman Sachs. No fim de Novembro de 2006, William Dudley, executivo sénior da Goldman Sachs (GS), tomou posse do grupo de mercados do Federal Reserve Bank of New York. Hank Paulson, ex-CEO da GS, da Secretaria do Tesouro — explicitamente indicado pelo presidente Bush como o czar indiscutível de todas as políticas económicas. Reuben Jeffrey, um antigo sócio da GS, é o regulador chefe dos commodity futures e das options trading. Joshua Bolten, chefe de equipe da Casa Branca (ele decide quem Bush vê, quando e por quanto tempo — por outras palavras, prepara a agenda de Bush) actuou como director executivo da GS. Robert Steel, antigo vice-presidente da GS, aconselha Paulson sobre finanças internas. Randall Fort, ex director de segurança global da GS, aconselha a secretária de Estado Rice. Os ex-responsáveis da GS também dominam o grupo de trabalho de Bush sobre mercados financeiros e administração de crises financeiras. Os banqueiros de investimento a exercerem poder de estado controlarão as maiores casas gigantes do regime Bush (Fannie Mãe e Freddie Mac), a política fiscal, os mercados de energia — todas elas questões que afectam directamente os bancos de investimento. Por outras palavras, os bancos financeiros serão 'regulados' pelos seus próprios executivos. O grau de opressão do capital financeiro sobre o poder político é evidenciado pela total falta de crítica de qualquer dos partidos. Como observou um jornal financeiro: "Nem o sr. Bush nem a Goldman foram criticados pelos Democratas for possuírem demasiadas funções poderosas em parte porque o banco de investimento (GS) também tem profundas ligações com os Democratas. A Goldman foi o maior doador único para os Democratas antes destas (de 2006) eleições intercalares". (FT, 04/Dez/2006).
Um dos primeiros movimentos de Paulson foi organizar uma delegação de alto nível para a China e um grupo de trabalho para formar uma 'partenariado estratégico'. Sua tarefa é acelerar a 'abertura' dos mercados financeiros da China à penetração e à maioria das tomadas (takeovers) de fundos de investimento operados pelos EUA. Ao tomar a iniciativa Paulson espera solapar o grupo anti-China dos neo-cons, Pentágono e militaristas da Casa Branca, bem como retardar apoiantes da independência de Formosa e demagogos chauvinistas no Congresso como o senador Schumer, que ameaça minar as lucrativas relações económicas EUA-China.
Para reduzir o défice fiscal, Paulson propõe 'reformar' os benefícios sociais — reduzir gastos com o Medicare e Medicaid e concluir um acordo com os Democratas para privatizar pouco a pouco a Segurança Social.
A área em que o capital financeiro não foi capaz de modelar uma estratégia económica coerente é a das guerras de Washington no Médio Oriente. Devido à pressão do lobby sionista sobre muitos dos focos principais da Wall Street — incluindo seus porta-vozes não oficiais — o Wall Street Journal e o N.Y. Times — Paulson fracassou na formulação de uma estratégia. Ele nem sequer prestou uma homenagem verbal à proposta contida no relatório do Baker Iraq Study Group de retirar tropas gradualmente por receio de alienar alguns executivos chave da Goldman Sachs, Stern, Lehman Brothers e todos os que seguem a linha 'Israel Primeiro'. Em consequência, Paulson tem de trabalhar em torno do lobby através do enfoque sobre acordos com monarquias das cidades-estado do Golfo e da Arábia Saudita a fim de evitar outra repetição desastrosa da venda da administração do Porto de Dubai. Pauson quer acima de tudo evitar a interferência política sionista no fluxo de capital financeiro de duas vias entre os complexos petroleiros-financeiros-bancários nos estados do Golfo e a Wall Street. Ele quer facilitar ao capital financeiro americano o acesso aos grandes excedentes de dólares na região. Não é de surpreender que o regime israelense tenha-se acomodado aos seus ricos e influentes apoiantes na Wall Street traçando uma distinção entre 'moderados' (estados do Golfo) com os quais afirmam ter interesses comuns e 'extremistas islâmicos'. O primeiro-ministro israelense, Olmert, orientou os seus fanáticos do lobby judeu nos EUA para levarem em conta os refinamentos na Linha do Partido ao tratar das relações americano-árabes.
No entanto, com todo o seu poder concentrado e a sua enorme riqueza e poder de alavancagem sobre a economia, Wall Street não pode controlar ou evitar sérias vulnerabilidades económicas ou possíveis eventos catastróficos político-militares.

O futuro da classe dominante financeira
O que é perfeitamente claro é que uma das principais ameaças aos mercados mundiais — e para a saúde da classe dominante financeira — é um ataque militar israelense ao Irão. Isto estenderá a guerra por toda a Ásia e por todo o mundo islâmico, conduzirá os preços da energia para além dos níveis até agora conhecidos, provocará uma grande recessão e provavelmente um crash nos mercados financeiros. Mas como no caso do relacionamento entre Israel e os EUA, o lobby sionista apela aos tiros e os seus acólitos na Wall Street concordam. Tal como está agora o assunto, o lobby judeu apoia a escalada da guerra do Iraque e o assalto selvagem à Palestina, Somália e Afeganistão. Ele neutralizou o maior e mais concertado esforço de importantes figuras políticas centristas para alterar a política da Casa Branca. Baker, Carter e antigos comandantes militares de forças americanas no Iraque foram batidos pelos ideólogos sionistas. Sob sua influência a Casa Branca está a por em prática a estratégia de guerra apresentada pelo 'American' Enterprise Institute (um think tank Sio-con). Como um resultado paralelo da nomeação, por Bush, de Paulson e gente da Wall Street para dirigir a política económica imperial, ele nomeou todo um novo aparelho civil militar e de segurança favorável à guerra a fim de escalar e estender as guerras do Médio Oriente à África (Somália) e à América Latina (Venezuela).
Mais cedo ou mais tarde verificar-se-á uma ruptura entre a Wall Street e os militaristas. Os custos adicionais de uma escalada de guerra, o contínuo inchaço dos pagamentos de dívidas, os enormes desequilíbrios na balança de pagamentos e as entradas decrescentes de capital quando as multinacionais repatriam lucros e bancos centrais além mar diversificam as suas reservas de divisas forçarão o desenlace. As enormes e crescentes desigualdades, a concentração maciça de riqueza e capital num momento de declínio dos padrões de vida e de estagnação do rendimento para a vasta maioria, dá à classe dominante financeira pouco capital político ou credibilidade se e quando romper uma crise económica e financeira.
Com investidores estrangeiros a possuírem 47% de todos os Títulos do Tesouro americano comercializados em 2006, em comparação com os 33% em 2001, e a detenção estrangeira da dívida de corporações americanas a ascender hoje a 30%, em relação a 23% a apenas cinco anos atrás, uma rápida liquidação total desestabilizaria os mercados financeiros americanos e o sistema económico, bem como a economia mundial. Uma rápida liquidação de dólares com consequências catastróficas não pode ser descartada se o militarismo americano-sionista continuar a cometer loucuras, criando condições de guerra extensa e prolongada.
O paradoxo é que alguns dos mais ricos e poderosos beneficiários do predomínio do capital financeiro são precisamente a mesma classe de pessoas que estão a financiar a sua própria auto-destruição. Enquanto as finanças baratas alimentaram fusões de muitos milhares de milhões de dólares, aquisições, comissões e pagamentos a executivos, o militarismo engrandecido opera sobre um orçamento praguejado com reduções fiscais, isenções e evasões para a classe dominante financeira e cada vez mais esmagador das sobrecarregadas classes assalariadas. Alguma coisa tem de romper a coabitação entre os financeiros da classe dominante e os políticos militaristas. Eles estão a correr em direcções opostas. Um está a investir o capital no exterior e o outro gasta fundos emprestados internamente. Por enquanto não há sinais de quaisquer choques sérios no topo, e nas classes trabalhadora e média não há sinais de qualquer ruptura política com os dois partidos da Wall Street ou de qualquer desafio à opressão militarista-sionista sobre o Congresso. Provavelmente será preciso uma catástrofe, como um ataque nuclear israelense ao Irão, apoiado pela Casa Branca, para detonar uma espécie de crise, a qual provocará uma profunda e generalizada reacção popular adversa a todas as coisas militares, financeiras e forjadas em Israel.

11/Janeiro/2007
O original encontra-se em http://www.axisoflogic.com/artman/publish/article_23721.shtml Tradução de JF.
Este ensaio encontra-se em http://resistir.info

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