terça-feira, 12 de junho de 2007

Agora toca ao Irão

“Convencer as pessoas de que estas coisas se fazem para seu bem não é assim tão difícil, como se sabe desde há quase um século. (…) Não sabemos quanto se irá dedicar para convencer as opiniões públicas. Sabemos, isso sim, que se continuará a comprar ou a alugar jornalistas que, um dia, iremos saber quem são. Talvez quando já for demasiado tarde."
José Maria Tortosa*
Foi dito pela imprensa estadunidense, que o fantasma da guerra do Iraque paira sobre a política do governo dos Estados Unidos sobre o Irão. Em ambos os países o governa nega que esteja plaificando uma guerra, em ambos os países as evidências em que diz basear-se são falsas e em ambos os países se lança mão das melhores técnicas de “comunicação”.

O Irão é geograficamente importante: tem 5.440 km2 e oito fronteiras continentais. Os países fronteiriços são o Iraque, o Turquemenistão, o Afeganistão, o Paquistão, a Turquia, o Azerbeijão e a Arménia. Através do mar Cáspio confina com a Rússia e o Kazaquistão e através do Golfo Pérsico com o Kowait, Arábia Saudita, Barhein, Emiratos Árabes Unidos e Omã.

Mas o Irão não é apenas importante pela importância dos seus vizinhos, mas também pela sua posição no mercado mundial de petróleo. Segundo o CIA Factbook de 2007, o Irão é o quarto produtor de petróleo do mundo, o quinto exportador e o terceiro em reservas provadas.

E o actual governo do Irão (como os anteriores) mostra-se pouco amistoso com Israel. E, há que dizê-lo, ainda parece menos amistoso nas mal-intencionadas traduções que são feitas dos discursos dos seus líderes.

Acresce a tudo isto que o Irão tem uma larga história de relações complicadas com os Estados Unidos. Em 1953, a CIA dedicou, então, 1 milhão de dólares para apear Mossadeg do governo, num dos primeiros casos de intervenção directa da Agência para a “mudança” política de um país. No lugar de Mossadeg que se tinha atrevido a nacionalizar o petróleo, colocou o Xá, mais próximo dos interesses das empresas estadunidenses, que aí permaneceu até 1979, quando foi substituído por Komeini, um líder que a CIA não soube prever que ia ter o eco que teve, e não apenas no Irão (ouvi fitas magnéticas de Komeini nos bairros populares de Dakar, no Senegal, depois do Xá ter sido derrubado).

Já antes, em 1976, na presidência de Gerald Ford, Dick Cheney, chefe do seu gabinete, Donald Rumsfeld, secretário da Defesa e Henry Kissinger, assessor de segurança nacional, o governo de Ford convenceu o Xá da necessidade de desenvolver um programa nuclear para enfrentar as suas futuras necessidades energéticas. Convenceram-no, e no desenvolvimento do programa teria comprado, pelo menos, 6.400 milhões de dólares a empresas estadunidenses como a Westinghouse e General Electric. Dada a mudança de regime, o programa não terminou mas, de qualquer modo, o caso demonstra quão infundados são os argumentos contra o programa nuclear iraniano, baseados na peregrina ideia de que não é precisa porque o Irão já tem petróleo. Além disso, o dito programa é praticamente idêntico ao que está a desenvolver o governo Lula no Brasil, potência com evidentes apetites à hegemonia regional.

Os iranianos sabem que os Estados Unidos apoiaram o Iraque na guerra 1980-1988 e conhecem a origem do gás mostarda (arma de destruição massiva) que os iraquianos utilizaram em 1987. E sabem igualmente dos 52 reféns estadunidenses que de 1979 a 1981 estiveram detidos em Teerão, entre a presidência de Cárter e a de Reagan. Ao contrário de muitos estadunidenses, os iranianos sabem que uma parte da dita retenção foi a consequência de um acordo secreto entre o candidato Reagan e o ayatollah Komeini: “Tu nã os libertas, Carter perde as eleições, eu chego à presidência e depois fazemos contas”. O escândalo prolongou-se com chamado caso Irão-Contras (1985-1986), assunto em que o coronel Oliver North teve um papel muito importante: ilegalmente, os EUA vendiam armas ao Irão para financiar “os contra” nicaraguenses. Tudo isto levou a diversos julgamentos (o tema das armas por reféns “explodiu” em Novembro de 1986) e hoje o sr, North é comentarista da Fox News Channel, mais um novo caso em que as empresas de Rupert Murdoch (não esquecer que José Maria Aznar é um dos seus assalariados) voltam a aparecer nesta série de resenhas sobre o império.

A opinião pública estadunidense é contrária a uma nova aventura militar na zona em que se desenrola as do Afeganistão e do Iraque. Os partidários de uma acção militar não ultrapassam os 20% nas sucessivas sondagens publicadas pelo New York Times e CBS News, onde os defensores da acção diplomática são a esmagadora maioria, sempre superior a 50%. Os que desejam a acção militar são menos, inclusive, que os que não vêem nenhuma ameaça no Irão, ainda que, e sempre de acordo com as referidas sondagens, a atitude de confrontação é muito maior entre os votantes republicanos que entre os democratas, estes mais dispostos, nas sondagens, a políticas de não ingerência.

Mas também aqui o governo anda à procura de argumentos para o que, para muitos, é uma decisão já tomada. É certo, reconheceu a Agência France Press e documentou-o Seymour M. Hersh) que a CIA não pára de encontrar sérios indicadores da construção de armas nucleares que, em todo o caso e segundo Moahamed El Baradei, não as poderiam ter antes de três anos e, provavelmente, não antes de cinco. Nada disso importa.

Como este argumento já está muito gasto e a sua aplicação no Iraque não foi particularmente brilhante, a alternativa foi a de tentar responsabilizar o governo do Irão pelos apoios que os xiitas iraquianos estariam a receber. Trata-se de fazer crer que determinadas mortes de cidadãos estadunidenses (soldados, mercenários ou civis que estão no Iraque) estão relacionadas com actividades iranianas. Se este tipo de argumento não funcionar (e de momento não está a funcionar, já que as dúvidas são crescentes), há quem suspeito que há uma possibilidade de surgir um atentado nos Estados Unidos, que poderia ser atribuído ao Irão. Dick Cheney insinuou-o e há que reconhecer que estes membros do velho “Projecto para um Novo Século Americano” que inclui Donald Rumsfeld, Jeb Bush, Paul Wolfwitz, Richard Perle e Douglas Feith, entre outros) costumam ser muito directos nas suas observações. Existe também a possibilidade de desestabilizar (através de “operações encobertas”) o governo do Irão para, assim, justificarem a intervenção em prol da ordem, da paz e da estabilidade. A decisão, pois, parece estar tomada. Agora trata-se de procurar os argumentos.

Em contrapartida, não está claro quem levaria a cabo o ataque. São conhecidos os jogos de guerra anglo-saxónicos e “os desvalorizados bombardeamentos” simulados e detectados desde o Verão de 1975 e, recentemente (finais de Maio de 2007) a chegada ao Golfo Pérsico em frente da costa do Irão, de nove barcos de guerra estadunidenses, com 17.000 efectivos a bordo, num desafio que só tem precedentes no realizado em 2003, quando começou a guerra do Iraque.

Mas não está excluído que o ataque seja perpetrado por Israel, que também fez exercícios e voos até Gibraltar para provar a sua capacidade. De acordo com o Há’aretz, jornal de Jerusalém, Bush “entenderia que Israel decidisse atacar o Irão”. Desta forma, Israel repetiria o que fez contra o Iraque, quando bombardeou Osirak em 1981.

A dúvida maior, é quando. A Agência France Press (22 de Novembro de 2006) supunha que iria ser no Verão de 2007 e o número especial do Newsweek dedicado ao tema (19 de Fevereiro de 2007) parecia ir na mesma direcção. No entanto, Simon Tisdall (The Guardian, 16 de Maio de 2007) falava na possibilidade do ataque ter sido suspenso por um ano. A ver vamos.

É que, de acordo com James Petras (31 de Maio de 2006), as opiniões nos Estados Unidos estavam e continuam divididas. Dizia que “existe uma coligação que, liderada pelas principais organizações pró Israel, os militaristas civis do Pentágono, a maioria dos órgãos de comunicação e uma minoria da opinião pública, que apoia um ataque militar. Opõem-se a esta opção a grande percentagem de altos oficiais reformados, os líderes da indústria petrolífera, a maior parte das organizações cristãs e muçulmanas e uma maioria do povo estadunidense”, como já foi dito.

Os objectivos parecem claros. Israel identificou três como principais:

Natanz, onde se instalaram milhares de centrifugadoras para enriquecer urânio, uma instalação para a conversão de urânio perto de Isfaha e um reactor de água pesada em Arak. As autoridades israelitas acreditam que a destruição destes três pontos atrasaria o programa nuclear iraniano indefinidamente e evitaria viverem sob o medo de um “segundo holocausto”, como informava o The Sunday Times de 7 de Janeiro de 2007.

Porquê? Parece que, apesar da história e do petróleo, o argumento central é a percepção que Israel tem do Irão, como uma ameaça à sua própria existência. Israel pode ser uma potência nuclear, mas a presença de outra potência na zona alteraria a capacidade de ameaça que agora tem o governo, seja ele mais ou menos sionista. O medo de um “segundo holocausto” é compreensível, por mais que as referências à shoa tenham sempre uma componente suspeita de manipulação interessada da má consciência europeia.

E não podemos esquecer que entre a hipótese de que Israel é o gendarme dos Estados Unidos na zona e a hipótese de os Estados Unidos fazerem a política mais conveniente para o Estado de Israel, é a segunda a que tem mais argumentos a seu favor. Eleitoralmente há tantos judeus ou originários de judeus nos Estados Unidos como em Israel. Politicamente, a AIPAC, o grupo de pressão (lobby) israelita é, fora de qualquer discussão, o mais importante entre tdos os que “trabalham” as decisões de Washington. Pessoalmente, e o dado foi aflorado precisamente no Há’aretz, uma parte importante dos chamados “neoconservadores” hoje no governo de Bush são não só judeus, mas também muitos dos que trabalharam directamente na imprensa israelita (no Jerusalém Post, por exemplo) ou fizeram relatórios para governos e partidos israelitas, particularmente para o Likud.

A realizar-se, este ataque será acompanhado, como o do Iraque, por uma importante campanha na “comunicação” (isto é de propaganda; quer dizer de mentiras deliberadas), reeditando um novo Pearl Harbour, para convencer sobre a necessidade dessa guerra. Então, saberemos da maldade intrínseca do regime de Ahmadineyad (a que então chamaremos dos ayatolas), como conheceremos o seu fundamentalismo e os seus propósitos agressivos contra todo o mundo, e seremos também informados que, se queremos petróleo barato, não há outro remédio que pagar o preço de umas quantas vidas.

Mas o efeito será o contrário: o preço do petróleo aumentará (com o que as empresas que o acumularam quando preço caía ao vendê-lo a novo preço terão lucros interessantes), o reformismo político iraniano sofrerá um sério revés (se, apesar das suas eleições parecerem mais limpas que as dos Estados Unidos, quisessem a “democratização” seria o reformismo político iraniano que seria de apoiar), o regime tornar-se-á verdadeiramente fundamentalista e, as reacções no mundo contra esta nova aventura imperial, manifestar-se-ão de imediato, acentuando a mágoa muçulmana e árabe. Não esqueçamos que o Irão é de maioria muçulmana, mas de minoria árabe.

Por sorte, sempre temos meios de comunicação (com a Fox á cabeça) que nos explique que esses pequenos males são compensados por “bens imensos” (os que prometia em Madrid Jeb Bush ao presidente da “república” espanhola pouco antes da invasão do Iraque) e, em todo o caso, serão menores que os males que acarretaria uma estratégia de “apaziguamento” como a que pretendiam algumas potências europeias, Neville Chamberlain à frente, face a Hitler. Porque a comparação com Hitler se vai utilizar uma vez mais, a comparação com Goebbels torna-se também necessária: convencer as pessoas de que estas coisas se fazem para seu bem não é assim tão difícil, como se sabe desde há quase um século. Para 2007, o governo dos Estados Unidos pretendia dedicar um mínimo de 75 milhões de dólares à “diplomacia pública” (propaganda dirigida às populações de outros países) no Irão. Não sabemos quanto se irá dedicar para convencer as restantes opiniões públicas. Sabemos, isso sim, que se continuará a comprar ou a alugar jornalistas que, um dia, iremos saber quem são. Talvez quando já for demasiado tarde.

* Catedrático de Sociología,no Instituto Universitario de Desarrollo Social y Paz de la Universidad de Alicante.

Este artigo foi publicado em www.rebelión.org do dia 26 de Maio de 2007
Este artigo foi publicado em http://www.odiario.info

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