segunda-feira, 5 de novembro de 2007

E no entanto...

Utilizar como método de análise a transformação do desejo pessoal em realidade, conduz, em regra, a conclusões erradas. Proferir afirmações dogmáticas sem as demonstrar dá maus resultados. Pôr na boca dos outros aquilo que nunca disseram já é do foro ou da ignorância pura e simples, ou da desonestidade intelectual.

E no entanto...

Desde há mais de 150 anos, ininterruptamente, dia após dia, políticos, analistas, comentadores e outros que tais, vêm repetindo a mesma lenga-lenga. Qual cassete estragada proclamam que o marxismo e/ou o marxismo-leninismo está morto e enterrado. Qual velho disco de vinil riscado, afirmam que o capitalismo é o “fim da história”.

E no entanto...

Será assim? Há, ou não, possibilidade de superar o capitalismo, através de outra sociedade? Estamos condenados a lutar por melhorias “cosméticas”, ou existe a perspectiva real de transformações profundas e significativas?

Pela enésima vez recorramos ao B, A, Bá do marxismo-leninismo. Seguindo o postulado de que “a teoria não é um dogma, mas sim um guia para a acção”. Que não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária. Que a teoria esclarece e orienta a actividade prática. Enriquece-se com os ensinamentos da prática, afere-se na prática e, quando separada da prática, torna-se estéril, vazia e inútil.

“O marxismo-leninismo é um sistema de teorias que explicam o mundo e indicam como transformá-lo”, diz Álvaro Cunhal em “O Partido com paredes de vidro”. E mais adiante “ O marxismo-leninismo surgiu na história como um avanço revolucionário no conhecimento da verdade sobre o mundo real – sobre a realidade natural, sobre a realidade económica e social, sobre a realidade histórica, sobre a realidade da revolução e do seu processo.”

“O marxismo-leninismo é uma explicação da vida e do mundo social, um instrumento de investigação e um estímulo à criatividade.”

Comecemos pela realidade económica e social.

Terá a sua índole dialéctica sido superada pela economia dita de mercado? Ou, antes pelo contrário, não será que a multiplicidade de formas relacionais, que o sistema vai assumindo, não anula de forma alguma as suas leis basilares de funcionamento?

Desapareceram as leis que os clássicos do marxismo-leninismo enunciaram como fundamentais, antes do mais, as leis do valor, da produção da mais-valia e das suas formas concretas (lucro, juro, renda) além de muitas outras?

Para os comunistas o âmago da dialéctica consiste em proclamar que toda a realidade, seja ela económica, social ou política, é movimento. Que esse movimento se faz segundo condições internas de mudança, de transformação. Que a mudança não é apenas gradual mas que em dados estádios surgem saltos, surgem novas qualidades (entendidas como propriedades de um sector da realidade numa dada fase do seu movimento, do seu desenvolvimento).

Que transformações quantitativas em dado momento levam a modificações qualitativas, da mesma maneira que modificações qualitativas conduzem num dado ponto a modificações quantitativas.

E no entanto...

Sabemos isto mas na nossa análise do dia a dia estamos constantemente a esquecê-lo.

Em toda a realidade existem relações internas com certas características que contêm em si o seu contrário, levando a que desapareçam umas e surjam outras. Essas contradições são propriedades internas da realidade.

Significa que na realidade objectiva existem elementos que se opõem e que é do seu choque que resulta o movimento global da realidade considerada com as suas transformações e as suas mudanças.

“A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção e por consequência as relações de produção.” [1]

Esta frase de Marx e Engels, hoje é menos verdadeira do que o era há mais de 150 anos atrás? Ou a realidade quotidiana das sociedades envolventes confirma-a (com novas formas, obviamente)?

E esta outra: para o capitalista “o aumento crescente do seu capital torna-se indispensável para a conservação desse mesmo capital” [2] ?

Que melhor prova há que o facto de as maiores 280 fortunas do planeta concentrarem em si mais riqueza que 2 mil milhões de pessoas (!!!)? Ou em Portugal onde a mesma proporção é de 20 famílias para 3 milhões de trabalhadores por conta de outrém? Onde a fortuna conjunta dos 10 mais ricos do País, está avaliada em 7 552 000 000 euros? Onde 10 (dez!) famílias acumulam uma fortuna superior ao rendimento anual de 2 milhões de reformados? São números, mas números arrepiantes que escondem uma realidade feita de miséria, sofrimento e dor. Uma realidade de quotidiana violação dos mais elementares direitos do homem e da mulher.

E no entanto...

Nada do que é humano nos é alheio, dizia Marx.

Impõe-se o estudo em cada momento desta ou daquela característica do modo de produção capitalista. Desta ou daquela lei típica do seu funcionamento.

Desta ou daquela das suas categorias modulares como valor de troca; valor de uso; mercadoria; força de trabalho; mais-valia e seus tipos; ciclo e rotação do capital; sua composição orgânica; reprodução simples e alargada das relações económicas; pauperização absoluta e relativa das classes trabalhadoras; lucro e taxa de lucro; formas transformadas da mais valia (lucro comercial; juro e renda); transformação dos valores de troca em preços com os preços de produção; a lei da queda tendencial da taxa média de lucro; as crises cíclicas de sobreprodução.

Ao fazê-lo reafirmamos, no plano político e social, que o comunismo, enquanto “corpo de ideias” está vivo. Por isso hoje, aqui e agora, faz sentido ser comunista neste século XXI. Vale a pena sê-lo e lutar por esse desiderato.

Em próximos artigos abordaremos o marxismo-leninismo e a realidade natural, a realidade histórica, a realidade da revolução e do seu processo.

Notas:
[1] “Manifesto Comunista”
[2] Marx, “O Capital, ed. Fr., V.IV, p.74


António Vilarigues
Técnico de sistemas e comunicação

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