sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Trabalhadores da Pereira da Costa em vigília há um ano


Resistir compensa

A razão e as decisões dos tribunais estão do seu lado, mas a Polícia só recorreu à força para fazer valer as razões do patrão. Perante a indiferença dos poderes, poderiam concluir que o crime compensa. Mas, ao fim de um ano de dura luta, os trabalhadores da Pereira da Costa mantêm-se unidos e apontam os resultados deste combate, firmes para o prosseguir. Em vez de serem despedidos sem indemnizações e com uma brutal carga de humilhação patronal, abandonando a construtora à especulação imobiliária, os operários preservaram a dignidade, conseguiram defender o principal património da empresa e esperam um acordo para o pagamento dos créditos. Já o Estado, grande credor neste caso, prima pela desresponsabilização, chame-se ela burocracia, inércia ou opção política.

Contado a partir de 1 de Setembro, quando os trabalhadores despedidos ilegalmente começaram a cumprir o horário de trabalho junto aos portões da sede e estaleiro principal da Pereira da Costa, ou a partir de 1 de Outubro, quando a vigília passou a ser permanente, é assinalado com confiança e determinação este ano de luta de uma centena de operários, apoiados pelo Sindicato da Construção do Sul e, em geral, pelas estruturas da CGTP-IN no distrito, com a solidariedade do PCP.
Os toldos, montados há um ano para abrigar os trabalhadores em vigília, são hoje uma «barraquinha», que apoia a permanência diária de vinte a trinta homens. Em dias de plenário ou quando necessário, o número chega a triplicar, asseguram João Serpa e Manuel Afonso. À nossa reportagem, estes dirigentes do Sindicato da Construção do Sul - a estrutura da CGTP-IN com mais forte presença na empresa - salientam que a luta envolve já todos os trabalhadores da Pereira da Costa: os que foram despedidos ilegalmente, em Setembro de 2006, e que a administração recusa reintegrar; os que, em Janeiro passado, suspenderam os contratos, por terem salários em atraso; e os que ainda estão a laborar, em condições muito precárias e que cujos vencimentos são pagos com grande atraso há vários meses (e a quem a empresa não passa recibos de remuneração, além de não entregar os descontos à Segurança Social).
Ultrapassados já todos os prazos, era esperada ontem uma decisão do IAPMEI sobre o procedimento extrajudicial de conciliação, requerido pela empresa. Para o sindicato e os trabalhadores, o ideal seria que a administração aceitasse a proposta que apresentaram.
Mas, até ao final da semana passada, não havia notícia de qualquer resposta da empresa. O presidente do conselho de administração, Luís Moreira, não é visto no estaleiro da Venda Nova há mais de seis meses, desde a carga policial contra os trabalhadores. Quem por ali se mantém - mesmo que diga que está ausente no estrangeiro, como sucedeu há poucas semanas, conseguindo assim mais alguns dias de extensão de prazos no IAPMEI - é Nuno Magalhães, administrador e genro do patrão.
Independentemente do que ontem tenha sucedido, quanto ao procedimento extrajudicial de conciliação, está marcado para 6 de Novembro, no Tribunal do Comércio de Lisboa, o início do julgamento da insolvência da Pereira da Costa Construções, requerida pelos trabalhadores.
Ainda este mês, deverão concluir-se as diligências para que os trabalhadores possam receber da Segurança Social o Fundo de Garantia Salarial.
No dia 3 de Outubro, poderá ser resolvido outro importante problema. A comissão de credores e o liquidatário judicial da MB Pereira da Costa não conseguiram comunicar com os administradores da Pereira da Costa Construções e requereram, em Janeiro, que o Tribunal do Comércio de Lisboa, onde corre a falência, notificasse os administradores e o presidente da administração, para comparecerem perante a juíza e definirem uma data para realizar a escritura do imóvel. A escritura, de acordo com os compromissos assumidos pela Pereira da Costa Construções, deveria ter sido realizada em Novembro de 2005 (90 dias depois de assinado o contrato-promessa de compra e venda), mas tem sido impossibilitada por «sucessivas fugas» da administração, acusam os representantes dos trabalhadores.
O comportamento de Luís Moreira neste caso terá causado algum embaraço no Sport Lisboa e Benfica - isso ficou evidente nos contactos com os responsáveis sindicais e no facto de a Pereira da Costa ter deixado recentemente de aparecer como patrocinadora da equipa de futsal. Mas o patrão continua a figurar como director-geral do clube para esta modalidade.
Da parte das instituições e órgãos de soberania, a quem trabalhadores e sindicato foram insistentemente dando notícias dos desmandos patronais e da luta desigual na Pereira da Costa, não foi notado qualquer embaraço com o facto de, além de duas centenas de postos de trabalho, estarem em jogo verbas elevadas devidas ao erário público (Fisco e Segurança Social). «Faltou uma atitude política», sintetizou João Serpa, depois de evocar as respostas vagas ou o simples silêncio, por parte dos gabinetes do primeiro-ministro e de ministros, ou a «falta de agenda» do Presidente da República.
Mesmo o presidente da Câmara da Amadora, que esteve uma vez no estaleiro, em Fevereiro, e prometeu ir levar o caso ao Governo do seu partido, «podia fazer muito mais, mas não fez». Neste caso, a preocupação agrava-se, porque estão também a ficar descredibilizadas as afirmações do autarca, quanto a impedir alterações do Plano Director Municipal que possam ir ao encontro de quem tem interesse nos terrenos da Pereira da Costa para negócios imobiliários, em vez da actividade industrial.
No balanço deste ano de combate, pelo emprego, pela justa remuneração do trabalho, pelo cumprimento da lei e dos direitos dos trabalhadores, João Serpa e Manuel Afonso respondem, sem hesitar, que «o ânimo mantém-se», para «continuar a lutar contra estes tipos, que parece que não vivem num estado de Direito».

Dias decisivos

Nas páginas do Avante!, a luta dos trabalhadores da Pereira da Costa, como outras semelhantes, tem estado presente de forma quase constante. Ao assinalarmos um ano de permanência dos operários junto aos portões da empresa, evocamos aqui alguns dos momentos mais importantes desta história, a partir das notícias que fomos dando no jornal.


2003

Ao longo do ano, apesar de ter uma confortável carteira de encomendas, a MB Pereira da Costa acumula dívidas e atrasa o pagamento de salários. Por duas vezes, em Novembro e em Dezembro, os trabalhadores impedem a penhora das máquinas, ordenada pelo tribunal, e evitam o encerramento da empresa, resistindo à polícia de choque. As penhoras acabam por ser suspensas e é nomeada uma administração judicial.


2004

Impedida de participar em concursos públicos, a MB Pereira da Costa consegue manter o pagamento de salários. O Estado, credor maioritário, recusa abdicar de parte dos créditos, condição que os trabalhadores defendem (inclusive, em concentrações no Terreiro do Paço e em São Bento) para a viabilização da empresa e para evitar os prejuízos maiores que o erário público teria com a liquidação da construtora.
A 30 de Novembro é decreta
da a falência. Os trabalhadores decidem manter a laboração, até à realização do leilão, e continuam a insistir com o Estado para que apoie a viabilização.


2005

19 de Maio
Até para cobrança de avultadas dívidas à empresa foi necessário recorrer à luta, como viria a suceder a 19 de Maio, com uma concentração frente à Câmara Municipal de Lisboa, para reclamar (e conseguir) o pagamento de uma dívida de mais de cem mil euros, verba suficiente para pagar os salários de Abril.

26 de Julho
No leilão que culmina o processo de falência da MB Pereira da Costa, o Estado aceita reduzir os seus créditos. O património, o pessoal e a carteira de encomendas são adquiridas pela Pereira da Costa Construções, de Luís Moreira, que se afirma determinado a desenvolver a actividade produtiva.



2006


9 de Maio
É despedido um delegado sindical, apelando a Comissão Concelhia da Amadora do PCP a que os trabalhadores respondam com firmeza. Em comunicado, os comunistas criticam severamente a actuação da nova administração, que «não tem ainda assinada a escritura da empresa; não tem ainda todos os alvarás necessários; não paga atempadamente os salários; não desenvolve a capacidade produtiva da empresa; não tem matéria-prima no estaleiro; vende materiais da empresa; e, mais grave, levanta processos disciplinares a vários trabalhadores».

14 de Julho
É constituída uma «empresa na hora», denominada Preidacosta Construções, com sede social na Rua das Fontainhas, 49, Venda Nova, Amadora (a morada da Pereira da Costa) e cujos sócios são um filho e um sobrinho de Luís Moreira.
Actualmente, no Tribunal Cível da Amadora, corre termos uma acção, movida pelos trabalhadores, impugnando a passagem de 20 viaturas da Pereira da Costa para a Preidacosta.

30 de Agosto
A cerca de 90 trabalhadores, a Pereira da Costa Construções comunica a intenção de despedimento, na base de processos disciplinares. O Sindicato da Construção do Sul, logo após o fim-de-semana, emite um comunicado em que considera tratar-se de uma situação de despedimento colectivo encapotado, depois de os trabalhadores terem rejeitado propostas da administração para rescisão dos contratos «por mútuo acordo».
As notas de culpa, de que os trabalhadores foram dando conhecimento ao sindicato ainda durante os primeiros dias de Setembro, tinham 35 quesitos iguais para todos os funcionários.

1 de Setembro
Os trabalhadores despedidos ilegalmente são impedidos de entrar nas instalações. Apoiados pelo Sindicato da Construção do Sul, pelo Sindicado das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas e outras estruturas da CGTP-IN, decidem permanecer junto aos portões da sede da empresa, cumprindo o horário de trabalho e manifestando o seu protesto, com faixas e bandeiras.

15 de Setembro
A administração chama a Polícia, face ao protesto dos trabalhadores, concentrados junto aos portões da empresa. Em plenário, no dia 19, estes decidem manter o protesto junto ao estaleiro-sede. A partir de Outubro, a vigília passa a ser permanente, assumida como forma de defender o património da Pereira da Costa, garantia do pagamento aos trabalhadores e demais credores.

12 de Outubro
De manhã, antes de se integrarem no «protesto geral» da CGTP-IN, os trabalhadores da Pereira da Costa concentraram-se junto ao Ministério do Trabalho, exigindo uma intervenção pronta do ministro para repor a legalidade na empresa.

16 de Outubro
Os trabalhadores despedidos são convocados para, em dias diferentes, irem à empresa receber os seus direitos e as declarações para o fundo de desemprego. É-lhes exigido que assinem uma «declaração de quitação», em que reconheceriam as acusações constantes das notas de culpa, aceitariam desistir de recorrer aos tribunais, dariam como liquidados todos os créditos e ficariam obrigados a pagar uma indemnização, se não cumprissem a «quitação». Não assinaram e a empresa não pagou.

8 de Novembro
Um grupo de mais de uma dúzia de elementos de uma força privada de segurança, às ordens da administração, tenta retirar do estaleiro dois camiões carregados de cobre. Apesar de se apresentarem armados, a tentativa foi gorada pela resistência dos trabalhadores e pela presença da PSP, chamada por estes.

23 de Novembro
Os trabalhadores em vigília conseguem impedir uma tentativa de roubo de documentos e material informático. Luís Moreira apresentou-se com um grupo de homens estranhos à empresa e quase uma dezena de viaturas. Depois de ameaçarem os trabalhadores, a PSP foi chamada e deu razão aos operários. Mais tarde, estes ainda frustraram a retirada de pastas e computadores, que estavam escondidos num dos carros.
Na madrugada seguinte, os mesmos seguranças tentaram forçar a entrada, mas voltaram a ser travados pelos trabalhadores e pela Polícia.
Como a administração da Pereira da Costa se ausentara da empresa e já tinha apresentado, há uma semana, um processo de insolvência, era aguardada a nomeação de um gestor judicial.

29 de Novembro
A responsável pelo caso da Pereira da Costa na Inspecção do Trabalho de Lisboa (onde as participações eram já mais de duas dezenas) desloca-se finalmente à sede da empresa, onde reúne com o presidente do conselho de administração, que estava à sua espera. Mas não quis falar com os trabalhadores nem identificar os que comparecem todos os dias e estão impedidos de picar o ponto.

30 de Novembro
Trabalhadores deslocam-se até junto do apartamento, nas Laranjeiras, Lisboa, para onde a administração transferiu os escritórios da Pereira da Costa, depois de Luís Moreira e demais administradores terem abandonado as instalações na Venda Nova.
A vigília dos trabalhadores voltou a impedir a retirada de bens.

11 de Dezembro
Os trabalhadores opõem-se e impedem a administração de retirar viaturas da empresa. Saíram igualmente frustradas as tentativas de divisão dos funcionários, com Luís Moreira a querer colocar na luta dos despedidos as culpas pelos problemas da empresa.

14 de Dezembro
Um grupo de trabalhadores vai à Inspecção do Trabalho, exigir uma intervenção eficaz para que sejam cumpridas pela administração as decisões judiciais de reintegração dos despedidos e para que sejam pagos os salários em atraso, que já ascendem a quatro meses.

29 de Dezembro
Jerónimo de Sousa volta a visitar os trabalhadores, no seu local de vigília, expressando-lhes a solidariedade do PCP e incentivando-os a prosseguirem a luta.



2007

10 de Janeiro
A luta alarga-se a mais cerca de 50 trabalhadores, que estavam a trabalhar mas não receberam os seus salários. Ao abrigo da lei, suspendem os contratos e juntam-se aos camaradas em vigília.

12 de Janeiro
A administração da Pereira da Costa Construções retira o processo de insolvência que tinha apresentado e que poderia pôr em causa a aquisição da falida MB Pereira da Costa.

1 de Fevereiro
A entrada no sexto mês de luta (e quinto de vigília permanente) é assinalada com um almoço de solidariedade, oferecido pelo Sindicato da Cerâmica e que contou com a participação de Manuel Carvalho da Silva e outros dirigentes da CGTP-IN.

22 de Fevereiro
É recebida na Assembleia da República a resposta do ministro das Finanças ao requerimento apresentado pelo PCP a 8 de Novembro, sobre a aquisição da MB Pereira da Costa pela Pereira da Costa Construções. Diz o Governo que «já foi efectuado o contrato promessa de compra e venda do estabelecimento, faltando realizar a escritura do imóvel». O prazo para a escritura estava esgotado desde Novembro de 2005.

2 de Março
Realiza-se, de manhã, junto à residência oficial do primeiro-ministro, uma concentração de trabalhadores, exigindo que o Governo intervenha para pôr cobro às ilegalidades e garantir os direitos e interesses dos trabalhadores e do Estado. De tarde, os trabalhadores participam na acção nacional de protesto convergente da CGTP-IN.

13 de Março
Para dar cumprimento a uma providência cautelar, interposta pela administração, contestada pelos trabalhadores e a que dias antes o tribunal decidira dar razão, Luís Moreira comparece nas instalações da empresa, acompanhado de uma oficial de Justiça. Uma força policial é mobilizada para acompanhar as diligências de «restituição de posse» que, afinal, se destinaram a possibilitar a retirada de bens da empresa. A justa indignação dos trabalhadores foi reprimida, um dirigente sindical foi detido por algumas horas, um repórter do Avante! foi também agredido por agentes à paisana.

14 de Março
O Tribunal de Trabalho de Lisboa decide penhorar a facturação e bens móveis da Pereira da Costa Construções, como garantia dos créditos dos trabalhadores.

10 de Abril
O Sindicato da Construção do Sul revela que foi aceite pelo tribunal a contestação dos trabalhadores à providência cautelar de «restituição de posse», accionada pela administração e que esteve na origem da carga policial de 13 de Março.
Os trabalhadores desencadeiam, no Tribunal do Comércio de Lisboa, um processo de insolvência da Pereira da Costa Construções.

30 de Abril
Chega ao fim o prazo inicial determinado pelo IAPMEI para que se concretize o procedimento extrajudicial de conciliação, proposto pela administração, em resposta à insolvência requerida pelos trabalhadores.

20 de Junho
O Sindicato da Construção do Sul emite parecer negativo, relativamente ao plano de viabilização apresentado pela administração no IAPMEI, apontando graves inconsistências nas contas de 2006, nas previsões até 2010 e na fundamentação da proposta para pagamento das dívidas, bem como nas garantias indicadas por Luís Moreira.

31 de Agosto
O sindicato entrega no IAPMEI a relação nominal dos trabalhadores despedidos em Setembro de 2006 e dos que, no início de 2007, resolveram o contrato de trabalho ao abrigo da legislação sobre salários em atraso. Esta responsabilidade cabia à empresa, que declarou ao IAPMEI não ter condições para a elaborar, pelo que o Instituto a solicitou ao sindicato. O valor em débito atinge, no total, quase dois milhões de euros (1.944.812,12 euros) e os trabalhadores aceitam a proposta da empresa de pagamento imediato de apenas 50 por cento, mas exigem garantias bancárias para o resto da dívida e o seu pagamento em doze prestações mensais, cujo valor não deverá ser menor que a remuneração-base de cada trabalhador.

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