segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O jovem Chávez

Um Partido feito à imagem do seu comandante (mas com menos semelhanças no conteúdo)

Falar na trajéctoria do Movimento Quinta República é falar na trajéctoria do seu líder Hugo Chávez, por isso começemos por Chávez. É preciso ter a noção que o MVR (como é conhecido em siglas) nasceu com o único propósito de servir como plataforma eleitoral que levasse Chávez à presidência da Venezuela em 1999, sem Chávez este partido não existiria.

Hugo Chávez começou a sua trajéctoria política desde muito cedo após ter ingressado no Exército venezuelano (1971, onde tinha entrado mais por motivos de concluir estudos do que para seguir carreira), o motivo inicial para a curiosidade política do jovem Chávez foi a par do contacto com a história gloriosa das lutas de Bolívar e outras heróis da independência, a investigação de Chávez do passado do seu bisavô materno, Pedro Pérez Delgado, que no início do século XX havia travado uma luta (semelhante à luta de guerrilhas) contra o ditador venezuelano Juan Vicente Gómez. Em finais dos anos 70 Chávez casa e tem 3 filhos (Rosa, Maria e Hugo).

Durante a década de 70 e posteriormente Chávez era um oficial que comandava operações anti-guerrilheiras (combatendo os seus futuros aliados na selva, o PCV e outros grupos originados deste como o Partido da Revolução Venezuelana). Como preparação para a luta anti-guerrilheira Chávez lê e estuda Che Guevara e Mao Tse-Tung (o que tem um efeito contrário ao que os seus chefes esperam, pois estimula em Chávez simpatia em vez de ódio pelos seus inimigos circunstanciais). Alegures por esses dias e num processo crescente, Chávez conclui que é preciso um novo rumo para a Venezuela. Aí começa a história "orgânica" do MVR.

O jovem Chávez

Em 1982, Chávez junta alguns oficiais de esquerda e funda o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200), em alusão aos dozentos anos do nascimento de Simón Bolívar, que se cumpriria um ano mais tarde. A organização clandestina deste movimento segue exactamente os mesmos moldes do nosso "Movimento das Forças Armadas" (MFA), só que ao contrário deste o MBR-200 já tem uma ideologia mais ou menos definida.

Em 17 de Dezembro de 1982, no aniversário da morte de Simón Bolívar, jura perante o Samán de Güere (uma árvore com uma história épica na Venezuela), junto a Felipe Antonio Acosta Carlés, Jesús Urdaneta Hernández e Raúl Isaías Baduel, reformar o Exército e iniciar uma luta para construir uma nova República.

Este movimento estava formado por oficiais médios cuja ideologia era bolivariana, misturada com algumas ideias de Simón Rodríguez e de Ezequiel Zamora ("El árbol de las tres raíces"). Por esta altura, Hugo Chávez inicia uma relação sentimental e ideológica com a historiadora e socialista Herma Marksman. Mantém também contactos com pessoas da esquerda venezuelana. Vai subindo patentes. Em 1988 é nomeado Ajudante do Secretario do Conselho Nacional de Segurança e Defesa, situado no Palácio de Miraflores. Em 1989 observa com indignação como milhares de manifestantes são massacrados por forças do Exército no chamado Caracazo ('obra' sangrenta do presidente social-democrata Carlos Andrés Perez, actual arqui-inimigo de Chávez).

Da esquerda para a direita: Chávez, Urdaneta e Arias Cardenas (os chefes da conspiração de 4-F)

Em 4 de Fevrereiro de 1992, Chávez tenta derrubar o governo de Carlos Andrés Perez (CAP) com uma insurreição do MBR-200 ajudada por algumas milícias armadas civis de partidos de esquerda (neste campo a participação é escassa, só alguns militantes do esquerdista Causa R participam). Participaram na acção 5 tenentes-coronéis na chefia das operações, centenas de oficiais médios e milhares de soldados rasos. O golpe acabaria por fracassar apesar de algumas posições ganhas em intensos confrontos armados. A forma como alguns destes oficiais que acompanharam Chávez viriam no futuro a desertar a Revolução Bolivariana leva-me a concluir que o que motivou os oficiais venezuelanos foi mais uma indignação com as circunstâncias daquele momento em que se vivia o auge do neoliberalismo e sobretudo um "espírito aventureiro" entre os oficiais venezuelanos (esta última característa ainda me parece muito presente no MVR). Não havia portanto, ainda, o desejo de erguer uma Revolução Popular mas sim uma ilusão que a Democracia Burguesa era reformável ou humanizável.

O objectivo da revolta era acabar com o neoliberalismo na Venezuela que estava a criar uma onda de pobreza e de fome por toda a Venezuela. Uma boa ilustração disso mesmo são as palavras do próprio líder do Partido da direita (o COPEI) no parlamento venezuelano (que na altura era oposição à AD, social-democrata, do presidente CAP) no dia seguinte à rebelião de 4-F, assim falou Rafael Caldera: "Não se pode pedir ao povo que defenda a democracia quando tem fome". Chávez é preso com todos os seus companheiros, mas não sem antes proferir para as Televisões venezuelanas aquelas proféticas palavras: "rendemo-nos e aceitamos a derrota... por agora".

Em 1994 o então presidente Rafael Caldera indulta (amnestia) Chávez e todos os seus companheiros, diz-se que o PCV e o MAS (percursor do PODEMOS) o pressionaram a fazê-lo (por serem parceiros do seu governo e parte da sua base de sustentação). Mas recorde-se que Caldera tem um historial de indultar rebeldes esquerdistas, uma década antes Caldera havia amnistado os guerrilheiros do próprio PCV e de outros remanescentes das guerrilhas que combatiam o pacto de puntofijo (esquema de poder entre social-democratas e democratas-cristãos, ou seja, entre a burguesia). Chávez sai da prisão junto com os seus companheiros já rascunhando a ideia de prosseguir a via eleitoral (o que ainda suscitou alguma controvérisa no seio do MBR-200).

Em 1997 é fundado o Movimento Quinta República (MVR) como sucessor político-eleitoral do MBR-200. Por esses dias as ideias de Chávez eram orientadas para uma espécie de Terceira via entre capitalismo e socialismo, misturada com um patriotismo bolivariano. Talvez oportunisticamente, a ambiguidade política que daí saía funcionava como cola entre vários grupos (um pouco antagónicos) da muito heterógena coligação chavista, então chamada de "Pólo Patriótico". Chávez juntou comunistas (PCV), maoístas (MRT e Liga Socialista) e outros grupos da esquerda radical com os social-democratas do MAS (Movimento Ao Socialismo) e outros grupos e personalidades nada interessados em 'beliscar' (e muito menos nacionalizar) o capitalismo venezuelano.

Em finais de 1998 Chávez ganha as eleições presidenciais. Desde esse momento a configuração política da Venezuela começa a mudar de este a oeste e de norte a sul. Depois da aprovação da Constituição Bolivariana de 1999, vão se ganhando maiorias chavistas em todos os orgãos políticos do país, é o mesmo que dizer, maiorias do MVR.

Em 2005 Chávez afirma que o Capitalismo não cabe no seu projecto revolucionário, já que - diz ele - é um sistema impossível de humanizar que ameaça a espécie humana. Chávez propõe construir um Socialismo do Século XXI, Bolivariano e Venezuelano. A ideia do novo Socialismo sacode o MVR, muitos - essencialmente os social-democratas dentro do MVR - não gostam nada da ideia, mas a maioria acolhe o novo objectivo estratégico com entusiasmo. Chávez tinha chegado à conclusão que não podia cumprir o seu objectivo de acabar com a pobreza na Venezuela até o ano 2021 se o capitalismo continuasse a dominar a Venezuela. A nova burocracia 'chavista' criada pelo MVR sente-se ameaçada, o partido e o líder começar ter vozes mais dissonantes. A solução de Chávez viria a ser criar o PSUV um ano depois (mas já lá iremos).

O que é o MVR actualmente?

O MVR é composto na sua espinha dorsal pelos companheiros de Chávez dos tempos do MBR-200 e sobretudo da insurreição do 4-F (4 de Fevreiro de 1992) que entretanto não o traíram. Aparte dessa espinha dorsal de ex-militares 'aventureiros', o MVR tornou-se uma força de grande influência na esquerda venezuelana e também nos orgãos de poder, daí que (independentemente de isto acontecer por boas ou más razões) tenha atraído para o seu interior militantes de todos os principais partidos de esquerda venezuelanos. Isto é aparte dos ex-militares pode-se enccontrar no MVR todo o tipo de ex-membros de outros grupos: maoístas, comunistas, social-democratas, etc. Também se pode observar neste partido - distintamente - uma ala mais revolucionária (exemplos: o ministro Nicolás Maduro, o presinte de câmara Juan Barreto e o governador Diosdado Cabello) e uma ala mais reformista (o ministro William Lara e o ex-vice presidente José Vicente Rangel), fácil de ver entre os principais dirigentes.

Recorde-se que o MVR teve nas presidenciais de 2006, 41,66% dos votos (cerca de 2/3 de todos os votos chavistas). Também em 2006 o MVR dá por finda a sua missão histórica ao dissolver toda a sua estrutura no novo Partido Socialista Unido da Venezuela, seguindo um apelo do comandante Chávez.


  • “Retirado de Histórias do Chavismo, no Tirem as mãos da Venezuela”
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