quarta-feira, 1 de novembro de 2006

A NOVA LEI DE BASES DA SEGURANÇA SOCIAL : o governo aceitou as exigências do PSD que Sócrates e Vieira da Silva tanto criticaram

Eugénio Rosa
RESUMO DESTE ESTUDO

Está neste momento em debate na Assembleia da República uma nova Lei de Bases da Segurança Social apresentada pelo governo que resulta do acordo que assinou com as associações patronais e com a UGT no CPCS, não tendo sido assinado apenas pela CGTP. Esta lei, para além de introduzir o chamado “factor de sustentabilidade” (artº 66), que determina a redução continua das pensões dos futuros pensionistas, introduz dois tipos de “tectos contributivos“ (plafonds), que representam cedências do governo à direita mas fundamentalmente ao PSD.

Apesar das fortes criticas que o 1º ministro e o ministro do Trabalho têm feito publicamente à proposta do PSD, dizendo que ela determinaria a privatização da Segurança Social e a criação de problemas financeiros muito graves a esta, pondo mesmo em causa o pagamento das pensões aos actuais pensionistas e que, por essa razão o PS nunca aceitaria, no entanto o governo dá mais uma vez o dito por dito, e introduz na sua Proposta de Lei (artº 58) para além do “plafonamento horizontal” constante da lei de Bagão Félix (aplicar-se-ia apenas aos trabalhadores com salários mais elevados), também aquilo que chamamos o “plafonamento vertical”, ou seja, a possibilidade de um futuro diploma regulamentar estabelecer que uma parcela dos descontos de todos os trabalhadores, e não apenas dos que têm salários mais elevados, deixem de ser entregues à Segurança Social e passem a ser aplicados em fundos de pensões privados, que é precisamente aquilo que exige actualmente o PSD.

Durante o debate na reunião de 27.10.2006 da Comissão de Trabalho e da Segurança Social da Assembleia da República em que participamos criticamos a arquitectura da Proposta de Lei que representa um corte com a Lei 17/2000 do anterior governo PS, e uma continuidade em relação à Lei 32/2002 de Bagão Félix, assim como a cedência do governo em relação ao PSD, em contradição com as declarações públicas quer de Sócrates quer mesmo de Vieira da Silva, mas este último sobre esta questão nada respondeu (“entrou calado e saiu mudo”), o que só pode significar que as criticas que fizemos à Proposta de Lei são verdadeiras.

A Proposta de Lei inclui também um novo ataque ao sistema de segurança Social dos trabalhadores da Administração Pública já que no seu artº 104 – Regimes da função pública – estabelece que deve ser “prosseguida a convergência”, o que só pode significar que, se os trabalhadores não se opuserem, o governo pretende aplicar o chamado “factor de sustentabilidade” a toda a Administração Pública. Igualmente o governo pretende introduzir uma formula de actualização das pensões no futuro que não garante aos pensionistas, mesmo aos actuais reformados, o aumento do poder de compra das suas pensões o que só perpetuar a miséria em que vivem a maioria dos reformados no nosso País .
O Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social apresentou, na Assembleia da República, uma Proposta de Lei de Bases da Segurança Social que está, neste momento, em debate. Esta Proposta de Lei, para além de introduzir o chamado “factor de sustentabilidade”, que é um factor de redução continua das pensões de reforma e de conter um novo ataque aos trabalhadores da Administração Pública, incluindo aqueles que entraram antes de 1993 e que estão abrangidos pela Lei 60/2005, aceita totalmente as exigências do PSD, que antes tanto o 1º ministro como o ministro do Trabalho e Solidariedade Social criticaram profundamente.

A ARQUITECTURA DA NOVA LEI DE BASES DA SEGURANÇA SOCIAL DO GOVERNO REPRESENTA UM CORTE COM A LEI 17/2000 DO PS E UMA CONTINUIDADE EM RELAÇÃO À LEI 32/2002 DO PSD/CDS

Em termo de arquitectura, e contrariamente àquilo que se afirma no Preâmbulo da Proposta de Lei apresentada pelo governo, esta não representa um corte com a Lei 32/2002 do PSD/CDS e uma continuidade com anterior Lei 17/2000 do PS. Uma análise comparativa daquelas duas leis e da Proposta de Lei leva à conclusão que ela representa sim é um corte com a arquitectura da lei anterior do PS e uma cópia, com poucas alterações, da Lei 32/2002 do PSD/CDS.

Assim, a Lei 17/2000 do governo anterior do PS estabelecia, no seu artº 22, um sistema público de Segurança Social, denominado sistema de solidariedade e segurança social, competindo ao Estado a sua boa administração e gestão, e fora do sistema público existiam os sistemas complementares, ou seja, os fundos de pensões, tendo o Estado em relação a eles uma função de supervisão e fiscalização.

O sistema público de Segurança Social, ou seja, o sistema de solidariedade e segurança social desdobrava-se, de acordo com o artº 23,: -(1) No subsistema de protecção social de cidadania, que incluía o regime de solidariedade e a acção social; (2) No subsistema de protecção à família; (3) No subsistema previdencial, que é fundamentalmente o dos trabalhadores por conta de outrem. Fora do sistema público, e ocupando um patamar e com uma dignidade diferente ficavam os sistemas complementares, ou seja, os fundos de pensões.

A Lei 32/2002, do governo PSD/PP, altera profundamente esta arquitectura. Assim, de acordo com o artº 5º, passa a existir um sistema de segurança social, cuja composição é a seguinte: (1) Sistema público da Segurança Social, que incluía o subsistema de solidariedade, o subsistema de protecção familiar e o subsistema previdencial; (2) Acção Social, maioritariamente financiado pelo Estado ; (3) Sistema complementar (fundos de pensões); portanto, o chamado sistema de segurança social era composto de três pilares, em pé de igualdade e com idêntica dignidade.

A Proposta de Lei de Bases da Segurança Social apresentada pelo governo PS de Sócrates, dispõe no seu artº 23, que “o sistema de segurança social abrange o sistema de protecção social de cidadania (inclui o subsistema de acção social, o subsistema de solidariedade, subsistema de protecção familiar), o sistema previdencial e o sistema complementar (público e privado)”. Portanto, diferentemente da Lei 17/2000 do governo anterior do PS, e em continuidade com a Lei 32/2002 do PSD/CDS, estabelece um sistema de segurança social onde são colocados em pé de igualdade e com a mesma dignidade, incluindo aquilo que chama, tal como sucedia na lei de Bagão Félix, “sistemas complementares”, ou seja, os fundos de pensões, incluindo os privados geridos e explorados pelas companhias de seguros e banca. Em resumo, para o actual governo, e de acordo com esta arquitectura, é tão importante o sistema de protecção social de cidadania, como o sistema previdencial, que constituem o núcleo do sistema público de segurança social, assim como ainda os sistemas complementares, incluindo os geridos e explorados pelas seguradoras para assegurar um sistema de segurança social aos portugueses.

A PROPOSTA DE LEI DO GOVERNO ACEITA, INCLUINDO-AS, AS EXIGÊNCIAS DO PSD QUE TINHAM SIDO FORTEMENTE CRITICAS PELO 1º MINISTRO E PELO MINISTRO DO TRABALHO

Todos os portugueses ainda se lembram das afirmações solenes do 1º ministro de que o PS não iria ceder às exigências do PSD em privatizar a Segurança Social, e nas declarações repetidas de Vieira da Silva de que a proposta do PSD determinaria a falência da Segurança Social e acabaria com o sistema de solidariedade que constitui a base da segurança social pública.

No entanto, o governo, esquecendo estas declarações dos seus principais responsáveis, e dando mais uma vez o dito pelo não dito, apresentou na Assembleia da República uma Proposta de Lei que contempla as principais reivindicações neste campo tanto do CDS como do PSD. Para concluir basta analisar com atenção o artº 58 da Proposta de Lei que apresentou.

Assim, de acordo com este artigo, é permitido a introdução de “limites contributivos”, ou seja, do chamado “plafonamento”, não apenas um, mas sim dois. Assim, o artº 58, que trata dos “Limites contributivos, diz textualmente o seguinte: “A lei pode ainda prever …. a aplicação de limites superiores aos valores considerados como base de incidência contributiva ou a redução das taxas contributivas dos regimes gerais, tendo em vista nomeadamente o reforço das poupanças dos trabalhadores geridas em regime de capitalização”. Portanto, a lei de nível hierárquico inferior, pois a lei bases é uma lei quadro, pode estabelecer dois tipos de limites contributivos. Um, que se pode chamar “plafonamento horizontal”, que é a fixação de um valor do salário acima do qual se deixaria de descontar para a Segurança Social. Por exemplo, a proposta de Bagão Félix era que acima de 6 salários mínimos (2400 euros por mês), a parte que ultrapassasse este valor deixasse de descontar para a Segurança Social. Portanto, todos os trabalhadores com salários inferiores a 2.400 euros por mês, a totalidade do seu desconto seria para a Segurança Social. Um segundo limite contributivo introduzido pela Proposta do governo, que se pode chamar “plafonamento vertical” , porque atinge todos os trabalhadores, seja qual for o valor do seu salário, e que se traduz em uma parcela do seu desconto que vai agora para a Segurança Social passe a ir para fundos de pensões. Este “plafonamento vertical” passa a ser possível devido à parte final do nº1 do artº 58 da Proposta de lei que diz textualmente o seguinte: “ou a redução das taxas contributivas dos regimes gerais tendo em vista nomeadamente o reforço das poupanças dos trabalhadores geridas em regime financeiro de capitalização”. Com base nesta disposição será já possível a este governo ou a um futuro governo aplicar a proposta do PSD que exige que 6 pontos percentuais dos descontos dos trabalhadores, ou seja, cerca de 2.000 milhões euros por ano, o trabalhadores deixem de descontar para a Segurança Social e passem a ser aplicados em fundos de pensões, nomeadamente fundos de pensões privados.

É evidente que a aplicação de uma proposta desta natureza criaria dificuldades financeiras gravíssimas ao sistema público de segurança social, pondo em causa mesmo o pagamento das pensões aos actuais reformados. Infelizmente é pela mão de um governo PS que se pretende fazer isso. Mesmo a exigência que a sua introdução terá de ser “obrigatoriamente precedida de parecer favorável da comissão executiva do Conselho Nacional de Segurança Social” (nº2 do artº 58) é meramente formal, já que esta comissão é maioritariamente dominada pelas associações patronais e pelo governo em funções.

A PROPOSTA DE LEI INTRODUZ UM FACTOR DE REDUÇÃO PERMANENTE DAS PENSÕES, CHAMADO “FACTOR DE SUSTENTABILIDADE”

Como já não fosse suficiente a redução da pensão determinada pela nova formula de cálculo da pensão abrangendo toda a carreira contributiva, e não apenas com base nos salários dos dez melhores anos dos últimos 15 anos, redução essa que, segundo o próprio governo, cresce todos os anos atingindo, em 2020, -8%, em 2030, - 12% e, em 2050, cerca de -19,5%; para além desta redução nas pensões dos trabalhadores que se reformarem no futuro, o governo pretende introduzir uma nova redução, a que chama “factor de sustentabilidade” (artº 66), que será tanto maior quanto mais elevada for a esperança de vida dos portugueses aos 65 anos de idade (a redução na pensão será tanto maior quanto maior será a previsão de numero de anos que cada português viva para além dos 65 anos). De acordo com o próprio governo a redução da pensão resultante apenas da introdução do chamado “factor de sustentabilidade” será de -5% para os que se reformarem em 2016, de -10% em 2026, de -14% em 2036, de -18% em 2046, etc., etc.. E isto porque a redução nunca mais parará. Somando a redução da pensão devido à introdução da “nova formula de cálculo da pensão” à redução da pensão provocada pelo “factor de sustentabilidade” a diminuição nas pensões dos trabalhadores que se reformarem no futuro atingirá, por ex., -4% em 2010; -13% em 2020; -21% em 2030; - 28% em 2040; - 35% em 2050; etc. etc. Segundo o próprio governo a chamada taxa de substituição será, em 2050, apenas 55%. Isto significa que um trabalhador com um salário de referência de 1.000 euros em 2050, e com 40 anos de descontos receberia em 2050 um pensão de cerca de 840 euros se vigorasse o sistema actual, mas aplicando o sistema que o governo pretende introduzir terá direito apenas a uma pensão de 550 euros, ou seja, menos 34,5%. E esta redução importante nas pensões dos futuros pensionistas resulta do facto de que o governo PS não quer mexer no sistema de financiamento, diversificando-o e modernizando-o, porque isso iria mexer nos interesses de uma minoria de privilegiados que detêm a maior parte da riqueza (em Portugal os 10% mais ricos recebem mais rendimento do que os 50% da população menos ricos). Para não tocar nestes interesses o governo PS prefere reduzir as já baixas pensões dos trabalhadores (em Portugal, no ano 2005, de acordo com dados do governo, 84 em cada 100 pensionistas recebiam pensões inferiores ao salário mínimo nacional, e mesmo aqueles que se reformaram em 2005, 73% ficaram com pensões inferiores também a um salário mínimo).

UM NOVO ATAQUE AO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O artº 104 da Proposta de Lei estabelece que “deve ser prosseguida a convergência dos regimes da função pública com os regimes da Segurança Social”. Como se sabe, o cálculo das pensões dos trabalhadores que entraram para a Administração Pública depois de 1 de Setembro de 1993, é já feito da mesma forma como o dos trabalhadores do Regime Geral da Segurança Social, o que significa que a nova formula de cálculo da pensão e o “factor de sustentabilidade” é de aplicação imediata a esses trabalhadores. E eles já são mais de 350.000. Em relação aos trabalhadores que entraram antes de 1993, a aplicação não é imediata e exige que antes seja alterada a Lei 65/2005, a qual alterou o Estatuto da Aposentação da Função Publica. Ao introduzir esta disposição na sua proposta o governo poderá estar a dizer que tenciona fazer essa alteração, se os trabalhadores o não impedirem com a sua luta, já que para aqueles que entraram depois de 1993 não é necessário aprovar nenhum diploma para que seja aplicado imediatamente.

A FORMULA DE ACTUALIZAÇÃO NO FUTURO DAS PENSÕES QUE O GOVERNO PRETENDE INTRODUZIR NÃO GARANTE O AUMENTO DO SEU PODER DE COMPRA

Contrariamente àquilo que o governo tem afirmado as suas propostas também vão afectar os trabalhadores que já estão reformados. E isto porque o governo apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei, que está em debate, que contém a formula de cálculo da actualização das pensões no futuro. E a proposta do governo não garante o aumento do poder de compra das pensões no futuro; muito pelo contrário.

Assim, em relação às pensões de reforma inferiores a 1,5 Salários Mínimos Nacional, que abrange mais de 85% dos reformados, no futuro as pensões seriam actualizadas da seguinte forma: (1) Se o crescimento económico, medido pelo PIB, fosse inferior a 2%, o aumento das pensões seria igual à taxa de inflação verificada ano anterior, portanto não haveria aumento de poder de compra; (2) Se o crescimento económico fosse igual ou superior a 2% e inferior a 3% , o aumento das pensões seria apenas de 2,5% se a inflação fosse igual a 2%, portanto o aumento do poder de compra seria apenas de 0,5%; (3) Se o crescimento económico fosse superior a 3%, e se a taxa de inflação no ano anterior tivesse sido de 2%, então o aumento das pensões seria apenas de cerca de 2,6%, portanto o aumento de poder de compra das pensões seria apenas de 0,6%. Em resumo, o poder de compra das pensões ou não aumentaria ou teria um aumento ridículo, portanto insuficiente para fazer sair a esmagadora maioria dos reformados da situação de miséria em que se encontram.

Eugénio Rosa
Economista
edr@mail.telepac.pt
1 de Novembro de 2006

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