quinta-feira, 19 de julho de 2007

Ventos de mudança na América Latina

A Humanidade progressista e os revolucionários em particular olham hoje com esperança e solidariedade para a América Latina e os processos de luta que aí têm lugar. A perspectiva justifica-se. O subcontinente é a região no globo que hoje corporiza a vaga de ascenso popular e o ensejo de emancipação social e económica, afirmando a defesa da soberania e afrontando os dogmas neoliberais. Nas palavras de Hugo Chávez, o líder da revolução venezuelana e figura de proa dos processos de «emancipação continental», a «América do Sul é o continente da utopia, a vanguarda de um mundo novo» (1) . E de facto, no seu conjunto o subcontinente revela-nos actualmente potencialidades e perspectivas de resistência e acumulação de forças, que são acompanhadas de mudanças reais de cariz popular, democrático e anti-imperialista. Um quadro consubstanciado numa efectiva dinâmica que, desde o limiar do novo século, logrou mudanças sensíveis na situação sociopolítica da região, fazendo despontar uma nova correlação de forças na América Latina e permitindo o avanço das forças do progresso e transformação social. Trata-se de uma situação que não deixa de aproveitar o impasse com que o imperialismo norte-americano, na sua inexorável corrida pela hegemonia mundial, se defronta – e que o «pântano iraquiano» hoje revela com clareza –, mas que por sua vez não deixará também de se repercutir e exercer a sua influência, mundo afora, na luta em outros países e regiões.


Ao mesmo tempo, importa desde logo assinalar que o contexto de subida da maré popular e de avanços progressistas na América Latina é caracterizado por uma grande complexidade e diversidade de realidades, processos e forças participantes, inclusive até de sinal contraditório, reflectindo a acção de sectores influentes das burguesias nacionais em ascensão, que visam enquadrar e assegurar o domínio das mudanças em curso. Nesta linha, importará atender às ambiguidades e contradições entre os acentos da política e alinhamento externos de determinados governos e as opções e correlação políticas prevalecentes internamente. Os casos, distintos, do Brasil e da Argentina podem, neste aspecto, ser referidos. Por outro lado, há que ter presente que as forças conservadoras e neoliberais mantêm a sua hegemonia sobre a sociedade e a economia, em estreita articulação com o imperialismo e as instituições supranacionais do grande capital, para além de continuarem a deter o poder executivo em muitos países da região.
Contudo, aquilo que deve ser sublinhado e valorizado é o quadro geral de reforço do protagonismo das massas, de alargamento das lutas populares e avanço da consciência social das diversas camadas alvo da marginalização e exploração capitalistas e a procura de afirmação da soberania e de soluções de sentido democrático e progressista.


Que forças e estratos sociais concorrem para uma paleta de expressão popular tão heterogénea, como a verificada? Para além da classe operária e do proletariado industrial, de largos sectores da pequena e média burguesia, incluindo os intelectuais, cabe aqui mencionar o protagonismo das massas camponesas e povos indígenas, assim como os sectores da crescente massa urbana marginalizada, da «pobreza desorganizada», que se integram na luta política e social, como aliás mostra actualmente a experiência transformadora na Venezuela. Forças mobilizadas por partidos de esquerda e progressistas e por um vasto conjunto de organizações e movimentos populares e sociais, que a nível continental possuem espaços de articulação e cooperação, como o Fórum de São Paulo que agrupa mais de 100 partidos e movimentos políticos de esquerda da América Latina e Caraíbas.

Os processos de mudança e transformação social em curso na América Latina – em que nos casos mais avançados, como na Venezuela bolivariana, é assumido o objectivo de uma transição de carácter socialista –, não apenas evidenciam a alteração da correlação de forças, no presente desfavorável ao imperialismo norte-americano, que tem vindo a perder as alavancas do controlo político da região, como, na sua base, expressam uma evidente crise do modelo capitalista vigente. Embora não se podendo falar de uma ruptura com a hegemonia capitalista, por todo o subcontinente, com mais ou menos intensidade, torna-se visível a falência das políticas neoliberais do chamado Consenso de Washington e das suas doutrinas de «ajuste e desregulação económica», em muitos casos implementadas até às últimas consequências – a «derrocada argentina» de 2001 constitui um caso paradigmático –, iluminando por arrasto os limites históricos das burguesias compradoras dominantes e do modelo oligárquico tradicional: exploração infrene dos recursos naturais e feroz tutela imperialista, dependência económica e subdesenvolvimento crónico, elevada concentração da propriedade da terra e êxodo rural, acentuada polarização social e disseminação da pobreza e miséria. É este o resultado da aplicação secular da doutrina Monroe pelos EUA na zona que Washington há muito delimitou como seu «quintal das traseiras».
Tanto mais significativo é por isso o fracasso da ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas), o projecto global que o imperialismo norte-americano planeava aplicar ao Continente a partir de 2005, travado nesse mesmo ano na Cimeira das Américas de Mar del Plata, na Argentina, ao ser confrontado com a oposição em bloco de cinco países sul-americanos (Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela), que por sinal constituem hoje o grupo de membros efectivos do Mercosul (2) (Mercado Comum do Sul). Este espaço, embora essencialmente imbuído de uma lógica de funcionamento capitalista, representa objectivamente um entrave ao avanço da hegemonia imperialista dos EUA, inserindo-se no quadro de rearrumação geral de forças em curso no mundo.


As tendências progressistas na América Latina (3) conheceram importantes desenvolvimentos nos últimos meses. Em vários países, fazendo jus a processos de luta e mobilização popular que garantiram a acumulação de forças, registaram-se importantes vitórias eleitorais dos representantes da esquerda. Foi o caso da Bolívia, onde o presidente Evo Morales, candidato do MAS (Movimento ao Socialismo), é eleito no final de 2005, logo à primeira volta com mais de 53% dos votos – na mais impressiva vitória presidencial das últimas décadas no país do altiplano. Na Nicarágua, onde actualmente vigora um tratado de livre comércio (TLC) com os EUA, ao fim de 16 anos a Frente Sandinista regressa ao poder, através da vitória presidencial de Daniel Ortega, nas eleições de 5 Novembro do ano passado. No mesmo mês, o Equador habilitava-se a um virar de página na sua história, após a descida ao abismo de uma década de instabilidade, corrupção endémica e dolarização da economia, por via da prometedora vitória de Rafael Correa, o candidato da Alianza País que congregou o apoio de toda a esquerda – incluindo os dois partidos comunistas – e do movimento indígena, alcançando uns expressivos 57% na segunda volta das presidenciais. No seu notável discurso de posse, o presidente equatoriano traçou de forma lapidar a perspectiva histórica do actual momento libertador latino-americano: «O Equador e a América Latina devem procurar não apenas uma estratégia, mas também uma nova concepção de desenvolvimento, que não reflicta unicamente (...) interesses de grupos e países dominantes; que não submeta sociedades, vidas e pessoas aos ditames do mercado; onde o Estado, a planificação e a acção colectiva recuperem o seu papel essencial na senda do progresso; onde se preservem activos intangíveis mas fundamentais, como o capital social, e onde as aparentes exigências da economia não sejam exclusivas e, pior, antagónicas do desenvolvimento social» (4) . E a reeleição de Hugo Chávez na Venezuela, em Dezembro, marca o início de uma nova etapa na revolução bolivariana. No Brasil, Lula foi reeleito em Outubro para um novo mandato de quatro anos.
Mesmo quando as forças da continuidade do sistema dominante garantiram a vitória eleitoral (Colômbia, Peru e México), registou-se um assinalável reforço das forças progressistas, nacionalistas e de esquerda, sendo que nos casos peruano e, sobretudo, mexicano existem seriíssimas suspeitas de fraude eleitoral (originando no caso do México uma vasta onda de protesto).
Num quadro de acesa luta de classes, enfrentando colossais resistências por parte das classes dominantes, os novos governos progressistas, neste curto espaço de tempo de permanência à frente do poder político, têm dado mostras de estar à altura das dinâmicas sociais em que se inseriram as suas vitórias eleitorais, na actual etapa de «libertação nacional». Na Bolívia, não obstante as deficiências e diferenças reveladas no seio da própria equipa governamental, o primeiro ano de gestão de Morales confirmou uma orientação popular, anti-neoliberal e anti-imperialista. Na Assembleia Constituinte, onde o MAS e seus aliados dispõem de uma maioria simples, aproxima-se a hora das decisões cruciais, com a direita e a oligarquia a ameaçarem usar a carta do separatismo, relativamente às ricas províncias orientais, a começar pela principal, Santa Cruz. No Equador, registe-se desde já a esmagadora vitória no referendo de Abril em que cerca de 82% dos votantes aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte dotada de plenos poderes, cuja eleição está marcada para 30 de Setembro. A vontade expressa de Correa, que já se declarou abertamente bolivariano e receptivo às ideias socialistas, de não renovar aos EUA em 2009 o aluguer da estratégica base militar de Manta, o anúncio do regresso à OPEP, a recusa em catalogar as FARC como organização terrorista e a firmeza perante as fumigações conduzidas pela Colômbia na fronteira entre os dois países, são indicadores, no mínimo, da disposição existente em Quito de fazer respeitar a soberania nacional.


Na frente estratégica da cooperação multilateral e da integração inter-americana, saliente-se os recentes projectos da UNASUR (União de Nações Sul-Americanas, constituída em Abril por 10 dos 12 chefes de Estado da América do Sul, e virada, basicamente, para a cooperação energética) o Banco do Sul (iniciativa conjunta da Venezuela e Argentina a que entretanto se juntaram outros países), o Petrosur e Petrocaribe (este, um acordo de cooperação petrolífera subscrito pela Venezuela e 13 países caribenhos) ou a já conhecida Telesur, na esfera televisiva (que junta já a Venezuela, Cuba, Argentina, Uruguai, Bolívia e Nicarágua). Porém, o «núcleo duro» dos novos processos de cooperação que se ensaiam na América Latina é representado pela ALBA, a Alternativa Bolivariana para a América, fundada em 2004 por iniciativa dos governos de Cuba e Venezuela, a que entretanto se juntaram a Bolívia e a Nicarágua. Esta organização, sustentada nos princípios da solidariedade, da cooperação e complementaridade entre os estados membros, é já uma expressão tangível dos novos tempos que correm na América Latina, abrindo possibilidades à construção de um pólo alternativo cada vez mais sólido perante as pretensões hegemónicas do imperialismo, e oferecendo ao mundo uma experiência avançada de cooperação, que desafia a lógica capitalista.


Os desafios colocados à própria ALBA e ao conjunto de processosnacionais em que esta radica são, todavia, de grande dimensão. A que se somam as ameaças de desestabilização e contra-ofensiva imperialista dos EUA.
Para além do apoio ao Plano Colômbia e à guerra suja naquele país chave para a manobra imperialista, empurrando o regime encabeçado por Uribe e as forças conexas do paramilitarismo para a desestabilização da vizinha Venezuela, do incremento da presença militar dos EUA em zonas consideradas estratégicas, das renovadas ameaças golpistas e magnicidas, a estratégia de recuperação imperialista na América Latina passa também pela imposição dos TLC «individuais», na tentativa de contornar o fracasso da ALCA. Num esforço de contenção dos processos de integração que ameaçam a sua hegemonia, Washington rearticula forças na região. Por exemplo, reactivando o ambicioso Plano Puebla-Panamá na América Central, e estendendo-o à Colômbia. Ao mesmo tempo, procura semear divisões no campo progressista e explorar o filão do reformismo e oportunismo. O recente episódio da parceria com o Brasil nos biocombustíveis, lembra o papel crucial que é desempenhado pelo gigante sul-americano e o quadro de incerteza que se poderá colocar depois de 2010, quando o Brasil escolher um novo inquilino para o Palácio do Planalto.


Num momento de exacerbadas contradições e embate com o imperialismo, importa frisar que o horizonte de mudança e a recuperação das forças progressistas, populares e revolucionárias na América Latina não seria hoje realidade sem o contributo de Cuba socialista. O percurso revolucionário de Cuba – com o seu inquebrantável exemplo de dignidade, apego à independência e a sua quase inesgotável solidariedade internacionalista –, constitui um factor chave na emergência da transformação política do continente. Dialecticamente, a revolução cubana redescobre-se e renova-se, por sua vez, nos actuais processos emancipadores e, em especial, na revolução bolivariana na Venezuela, país riquíssimo em recursos naturais e incontornável impulsionador de todos os processos de cariz libertador observados na região. Uma revolução democrática e anti-imperialista, que atingindo actualmente o limiar de grandes transformações no plano estrutural, com o início das nacionalizações em sectores estratégicos da economia, coloca o objectivo de uma transição de carácter socialista. O caso singular da Venezuela, confirmando que os caminhos da revolução não obedecem a modelos pré-estabelecidos, simboliza as novas capacidades de resistência e potencialidades que se abrem às forças progressistas em todo o mundo, e particularmente na América Latina.

Há, porém, consciência de que existe um longo caminho para percorrer e que batalhas decisivas estão ainda por enfrentar. Entre outros factores, o seu êxito em muito dependerá da capacidade – como refere o dirigente comunista boliviano Marcos Domich (5) –, que os actuais processos políticos – ainda não consolidados – revelem em assegurar a «incorporação orgânica das forças sociais motoras da mudança revolucionária», tal como da capacidade que as forças do progresso mais consequentes demonstrem em interpretar os anseios das massas, organizá-los e ampliá-los, na via da práxis revolucionária da transformação social.

Notas

(1) Discurso proferido na visita ao navio-escola argentino – ver sítio Aporrea.org, 09.05.07 (www.aporrea.org/actualidad/n94622.html ).
(2) A Venezuela tornou-se membro de pleno direito do Mercosul em 2006.
(3) Merecem referência as anteriores vitórias obtidas na Venezuela, Brasil e Uruguai – onde o candidato da coligação de forças de esquerda, Frente Ampla, venceu as presidenciais de 2004, facto inédito desde a conquista da independência –, tal como a mudança de vector na Argentina, particularmente evidente no seu enquadramento externo, com a consolidação da «ala esquerda» e nacionalista do peronismo em torno de Kirchner, no rescaldo da devastadora crise capitalista de 2001.
(4) Ver sítio www.odiario.info , 19.01.07.
(5) Ver sítio www.odiario.info , 21.03.07.

Escrito por Luís Carapinha
01-Jul-2007
http://omilitante.pcp.pt

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sexta-feira, 13 de julho de 2007

"Flexigurança" na administração pública,

primeiro passo também para o sector privado
por Eugénio Rosa [*]

1- Todos os anos os mapas de pessoal de cada serviço podem ser alterados e trabalhadores despedidos ou colocados na S.M.E.
2- A colocação na situação de mobilidade especial durante um ano, seguido de despedimento do trabalhador
3- Periodo experimental quatro vezes superior ao do sector privado
4- Contratos a prazo no regime de nomeação através da nomeação transitória
5- Generalização dos contratos a prazo na administração pública
6- A introdução na administração pública de outras formas de despedimento
7- Alterações remuneratórias limitadas por disponibilidades fixadas pelo dirigente máximo
8- Negociação individual da remuneração na administração pública
9- A contratação de trabalhadores colocados na S.M.E. com remunerações inferiores aos contratados externamente
10- A violação da igualdade de acesso de todos os cidadãos à administração pública
11- A reduçâo arbitrária das seis carreiras actualmente existentes na administração pública a apenas três carreoras
12- A coloca&acedil;ão dos trabalhadores em categorias com uma posição remuneratória inferior na transição para as novas carreiras
13- O poder absoluto das chefias e a polivalência total
14- Mobilidade interna forçada. Sinónimo de mais polivalencia
15- A redução dos trabalhadores abrangidos pelo regime de nomeação
16- Manutenção e integração parcial ou total, ou mesmo a eliminação dos suplementos remuneratórios
17- O congelamento das carreiras até 2011 para a maioria dos trabalhadores da administração pública
18- A imparcialidade coxa do governo
19- Contratos de prestação de serviços apenas para empresas
20- O projecto de lei também se aplica a trabalhadores das "EPE" com vínculo público


RESUMO DESTE ESTUDO

O governo apresentou aos sindicatos um projecto de Lei sobre "Regimes de vinculação, carreiras e remunerações" que visa subverter, de uma forma total e imediata, todo o sistema de relações de trabalho na Administração Pública. Como "aluno obediente", o governo de Sócrates procura assim concretizar, de uma forma apressada e ainda mais gravosa para os trabalhadores, a "flexisegurança" defendidas pela Comissão da U.E., fazendo "tábua rasa" dos direitos dos trabalhadores É previsível, que os patrões do sector privado venham muito em breve reivindicar o mesmo para si, com o argumento de que se o próprio governo dá o exemplo, que força moral tem para o negar aos privados. A intervenção de Vieira da Silva na A.R., em 23/05/2007, confirma isso.

O projecto-lei aplica-se a toda a Administração do Estado quer directa quer indirecta, aos serviços de administrações regionais e autárquicas, aos juízes e aos magistrados do Ministério Público. Apesar de se ter excluído do âmbito da sua aplicação as entidades públicas empresariais, no entanto aplica-se aos trabalhadores, com vinculo público que nelas estejam (por ex. aos médicos, ao enfermeiros, e a outro pessoal que tenha vinculo público).

Depois de se analisar o projecto-lei do governo conclui-se rapidamente o seguinte:(1) Todos os anos os mapas de pessoal poderão ser alterados, o que determinaria uma situação de permanente precariedade e instabilidade para os trabalhadores pois, por uma simples decisão do responsável máximo, poderiam ser considerados como "excessivos", sendo colocados na Situação de Mobilidade Especial e/ou despedidos (artº 4 do Projecto de lei).; (2) A cessação do contrato por tempo indeterminado por simples decisão do responsável máximo, tendo o trabalhador a possibilidade apenas de estar um ano na Situação de Mobilidade Especial, findo o qual seria despedido (artº 32) (3) O período experimental, que é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido sem qualquer indemnização, seria de um ano para todas as carreiras, que é quatro vezes superior ao do sector privado(nº2, artº 12º); (4) A introdução de contratos a prazo mesmo no regime de nomeação, com a designação de "nomeação transitória"; (5) A generalização de contratos a prazo no Administração Pública mesmo para necessidades não temporárias, o que não é permitido no sector privado (artº 22); (6) A introdução na Administração Pública do despedimento colectivo, do despedimento por extinção do posto de trabalho, e do despedimento por inadaptação do trabalhador, sem que se indique em que condições e quais os procedimentos a cumprir (artº 32);; (7) As alterações nas posições remuneratórias ficariam dependentes das disponibilidades orçamentais, mesmo que o trabalhador, a nível de avaliações, obtivesse as necessárias (artº 45); (8) A negociação individual por escrito da remuneração (artº 49); (9) A contratação de trabalhadores colocados na SME com remunerações inferiores aos contratados externamente (artº 54); (10) A violação do principio de igualdade no acesso por qualquer cidadão à Administração Pública (artº 55); (11) A redução arbitrária das actuais seis carreiras do regime geral a apenas a três carreiras(técnico superior, assistente técnico e assistente operacional), o que determinaria grande arbítrio no sistema de equiparação e a polivalência generalizada (artº 96 e seguintes); (12) A colocação dos trabalhadores em categorias com posições remuneratórias inferiores às que auferem na transição das carreiras actuais para as novas carreiras (artº 103); (13) A introdução do poder absoluto das chefias, já que "o conteúdo funcional da categoria a que o trabalhador tem, não podia, em caso algum, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudicaria a atribuição ao trabalhador de tarefas não expressamente mencionadas" (artº 42); (14) A introdução da chamada mobilidade interna que daria poder às chefias para alterar tanto a categoria como a carreira que o trabalhador tivesse, atribuindo ao trabalhador "funções na mesma área funcional ou em outras áreas funcionais", assim como "funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes à categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontrasse integrado ou da categoria que é titular", durante um ano ou por prazo indeterminado (artº 59 e 60); (15) A redução significativa das áreas funcionais onde vigoraria no futuro o regime de nomeação (Forças Armadas, apenas dos quadros permanentes; pessoal diplomático; informação de segurança, investigação criminal, segurança pública, apenas para o pessoal operacional), transitando os actuais trabalhadores em regime de nomeação restantes (médicos, enfermeiros, técnicos superiores, técnicos administrativos, etc, etc,), "sem outras formalidades para modalidade de contrato a tempo indeterminado, mantendo apenas os regimes de cessação, de reorganização de serviços, e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social" (artº 10 e artº 87 do projecto de lei do governo); (16) A manutenção ou integração total ou parcial ou mesmo a eliminação dos actuais suplementos remuneratórios (artº 111); (17) O congelamento das carreiras em mais 3 anos, a contar de 2008, ou seja, pelo menos até 2011 para a esmagadora maioria (mais de 70%) dos trabalhadores da Administração Pública.

Neste estudo analisam-se apenas os aspectos essenciais do projecto de lei do governo para evitar que este documento seja ainda mais longo (o projecto do governo tem 62 páginas e 114 artigos e um anexo), fazendo-se citações retiradas do projecto – pois se isso não fosse feito corria-se o risco de quem o ler não acreditar, devido à gravidade de muitas normas contidas no projecto do governo. Para além disso, cruzam-se vários artigos para que as conclusões se tornem mais claras e fundamentadas.

A NEGAÇÃO TOTAL DA FUNÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A função principal do direito do trabalho é, na relação do trabalho, que é uma relação desigual em que a parte mais fraca é o trabalhador, defender este último do arbítrio patronal, que tem o poder de dar ou de recusar o emprego, o qual é vital à sobrevivência e realização do trabalhador como pessoa humana. Na Administração Pública, o direito do trabalho tem ainda uma outra função importante: a de garantir a imparcialidade na prestação do serviço público a todos os cidadãos, e essa imparcialidade só poderá ser garantida através de um vinculo contratual forte, que só é a nomeação, que defenda o trabalhador das pressões do poder politico e económico. Daí a necessidade e razão deste regime que garanta ao trabalhador um emprego estável e uma carreira profissional segura porque ambos são garantidos e regulados pela lei, e não estão dependentes do arbítrio do patronal. É tudo isto que o actual governo quer liquidar, introduzindo na Administração Pública, em sua substituição, o arbítrio com o claro objectivo de fragilizar a situação dos trabalhadores para assim ficarem mais facilmente sujeitos às pressões do poder politico e económico, pondo em causa a prestação do serviço público de uma forma imparcial, igual e generalizada a todos os portugueses.

UM SIMULACRO DE NEGOCIAÇÃO E UM GOVERNO QUE SE REVELA CADA VEZ MAIS ARROGANTE E AUTORITÁRIO

Apesar dos sindicatos dos trabalhadores da Administração Pública terem solicitado que lhes fossem dado tempo suficiente para analisar com profundidade as propostas do governo e para as debater com os trabalhadores, já que estava em jogo a alteração total e radical das normas da relação de trabalho na Administração Pública, produto de muitos anos, o que iria ter profundas consequências na vida de mais de 750 mil trabalhadores, o governo recusou e impôs unilateralmente o seu calendário de negociações. Assim, o actual governo pretende discutir com os sindicatos o seu projecto de lei em apenas três reuniões, o que corresponde somente a 6 horas. Mais uma vez este governo revelou o seu carácter autoritário e arrogante. E isto para não falar de um projecto de lei que já foi aprovado pelo Conselho de Ministro e que, por isso, o governo apenas admite pequenas alterações meramente formais para poder dizer na sua propaganda que "introduziu alterações depois de ter negociado com os sindicatos ", e assim manipular a opinião pública.


1- TODOS OS ANOS OS MAPAS DE PESSOAL DE CADA SERVIÇO PODEM SER ALTERADOS E TRABALHADORES DESPEDIDOS OU COLOCADOS NA S.M.E.

De acordo com o artº 4º do Projecto de Lei todos os anos, aquando da preparação da proposta de Orçamento do Estado, os serviços elaboram os respectivos mapas de pessoal. E segundo o nº1 do artº 5º, "os mapas de pessoal contém a indicação do numero de postos de trabalho de que o órgão e serviço carece". E de acordo com o nº1 do artº 6º "face aos mapas de pessoal, o órgão ou serviço verifica se se encontrem em funções trabalhadores em número suficiente ou insuficiente ou eventualmente excessivo ". E segundo o nº 7 do artº 6º "sendo excessivo o numero de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço começa por promover as diligências legais necessárias à cessação da relação jurídica de emprego público constituído por tempo determinado ou determinável de que não careça e, quando necessário, aplica às restantes o regime legalmente previsto, incluindo o de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial"; portanto, qualquer trabalhador seja qual for o vinculo que tenha (contrato a prazo, contrato por tempo indeterminado, nomeação) passaria a estar sujeito todos os anos a ser considerado "excessivo" e, consequentemente, ou colocado na situação de mobilidade especial ou despedido, o que significa que ficaria numa situação de precariedade para toda a vida.

2- A COLOCAÇÃO NA SITUAÇÃO DE MOBILIDADE ESPECIAL DURANTE UM ANO, SEGUIDO DE DESPEDIMENTO DO TRABALHADOR

O artº 32 dispõe que quando " o contrato de trabalho por tempo indeterminado cessar por despedimento colectivo ou por despedimento por extinção do posto de trabalho", o trabalhador é notificado para , em 10 dias, informar se deseja ser colocado em situação de mobilidade especial pelo prazo de um ano(nº5). Se não informar é imediatamente despedido, mas se informar que pretende passar à situação de mobilidade especial, segundo o nº 8 do mesmo artigo, não arranjando emprego na Administração Pública durante esse período, "é praticado o acto de cessação do contrato", portanto é despedido. De acordo com o artº 87 do projecto de lei, esta disposição só não se aplica aos trabalhadores em regime de nomeação e àqueles que actualmente estão no mesmo regime mas que, por força deste projecto, passariam à situação de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP). Portanto, aos que actualmente estão com qualquer tipo de contrato, mesmo permanente, assim como aqueles que entrarem futuramente através de CTFP passariam a estar abrangidos por esta norma, ou seja, podendo ser despedidos no máximo ao fim de um ano a contar data em foram colocados na Situação de Mobilidade Especial, funcionaria assim como antecâmara do despedimento individual.

3- PERIODO EXPERIMENTAL QUATRO VEZES SUPERIOR AO DO SECTOR PRIVADO

O período experimental é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido livremente pela entidade patronal sem ter de pagar qualquer indemnização. É por essa razão que o artº 107º do próprio Código do Trabalho limita esse período para a generalidade dos trabalhadores a apenas 90 dias (em caso de contratos a prazo é somente entre 15 a 30 dias, dependendo da duração do contrato), e só para cargos de direcção superiores admite que o período experimental possa atingir 240 dias. O nº2 do artº 12 do projecto de lei do governo estabelece que "o período experimental tem a duração de um ano" para todos os trabalhadores. Portanto, o actual governo pretende que na Administração Pública os trabalhadores admitidos possam ser despedidos livremente, sem invocação de qualquer razão e sem direito a qualquer indemnização, durante um ano.

4- CONTRATOS A PRAZO NO REGIME DE NOMEAÇÃO ATRAVÉS DA NOMEAÇÃO TRANSITÓRIA

O governo pretende introduzir os contratos a prazo mesmo no regime de nomeação através da chamada "nomeação transitória". Assim, de acordo com o nº1 do artº 13º do Projecto de Lei "podem ser nomeados transitoriamente os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de sujeitos de emprego público por tempo indeterminado, bem como se encontrem em situação de mobilidade especial". Em que condições poderia isso acontecer o governo não diz porque, segundo o nº 2 do mesmo artigo, "essas disposições constarão do futuro Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas relativas aos contrato a termo resolutivo", que ainda não apresentou aos sindicatos.

5- GENERALIZAÇÃO DOS CONTRATOS A PRAZO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O artº 129 do Código do Trabalho estabelece que só para satisfação de necessidades temporárias as entidades patronais poderão contratar a prazo trabalhadores. E segundo o artº 130 do Código do Trabalho, quando um empregador faça um contrato a prazo para uma tarefa ou serviço permanente, o contrato a prazo transforma-se automaticamente em contrato por tempo indeterminado. No entanto, o governo pretende ficar com as mãos livres para contratar livremente trabalhadores a prazo na Administração Pública , pois o artº 22º do Projecto de Lei dispõe que " podem ser contratados a termo resolutivo os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de emprego público por tempo indeterminado, bem como os que se encontrem em situação de mobilidade especial" mesmo para satisfação de necessidades permanentes.

6- A INTRODUÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OUTRAS FORMAS DE DESPEDIMENTO

De acordo com o artº 32 do projecto de lei, o governo pretende introduzir na Administração Pública "o despedimento colectivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho" (nº2 ), assim como a "cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado por caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a entidade empregadora publica receber o trabalhador" bem como o "despedimento por inadaptação" (nº 9 do mesmo artigo). Em que condições isso poderia ser feito, e quais os procedimentos que seriam respeitados, ignora-se pois o governo remete-os também para o Regime de Contrato de Trabalho de Funções Públicas que não apresentou e que, por isso, são totalmente desconhecidas.

7- ALTERAÇÕES REMUNERATÓRIAS LIMITADAS POR DISPONIBILIDADES FIXADAS PELO DIRIGENTE MÁXIMO

Segundo o nº1 do art.º 45 do projecto é da competência do chamado dirigente máximo decidir a alteração da posição remuneratória do trabalhador (é uma opção gestionária diz expressamente o projecto). E embora no artº 46º se estabeleça que é necessário que os beneficiados "tenham obtido, nas últimas avaliações do seu desempenho, ou duas menções máximas consecutivas, ou três menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas, ou cinco menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas", e depois tenham de ser escolhidos sequencialmente por esta ordem", no entanto o nº1 do artº 47 dispõe que "o dirigente máximo, ouvido (não tem que obter parecer favorável) o Conselho Coordenador de Avaliação pode alterar, para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontra, o posicionamento remuneratório do trabalhador em cuja última avaliação do desempenho tenha obtido a menção máxima ou imediatamente inferior". Portanto, o dirigente máximo ficaria com o poder discricionário de fazer passar para a frente de todos aquele que quisesse, e para isso não seria necessário que o trabalhador tivesse "duas menções máximas consecutivas", ou três menções imediatamente inferiores á máxima consecutivas", mas bastava que "na última avaliação de desempenho tenha obtido a menção máxima ou a imediatamente inferior" (nº1, artº 47). Por outro lado, mesmo satisfazendo o que projecto dispõe relativamente a avaliações de desempenho, os restantes trabalhadores não teriam assegurada a mudança de posição remuneratória pois, segundo o nº5 do artº 46 do projecto, "não há lugar a alteração do posicionamento remuneratório quando, não obstante o cumprimento dos requisitos por parte do trabalhador, o montante máximo dos encargos fixado para tal fim pelo dirigente máximo se tenha, previsivelmente, esgotado efectivamente com a alteração relativa a trabalhador ordenado superiormente". Entra-se assim no reino do puro arbítrio já que é da competência do dirigente máximo não só ultrapassar a classificada baseada na avaliação de desempenho como também fixar o montante de despesa destinado a alteração das posições remuneratórias dos trabalhadores.

8- NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL DA REMUNERAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Segundo o nº3 do artº 49, do "procedimento dos concursos consta, com clareza, a referência ao numero de postos de trabalho a ocupar e a sua caracterização em função da carreira, categoria, área funcional e, quando necessária, área do conhecimento das habilitações literárias e, ou, profissionais que lhe correspondam", mas não a remuneração. E de acordo com o nº1 do artº 54, no caso de contrato " o posicionamento do trabalhador numa das posições remuneratórias … é objecto de negociação com a entidade empregadora pública" e, segundo o nº3 do mesmo artigo, "por escrito". È evidente que este tipo de negociação permitiria, por um lado, o seu condicionamento por influências partidárias ou outras e, por outro lado, o trabalhador que não tivesse tais influências ficaria numa situação frágil sendo-lhe naturalmente atribuída a posição remuneratória mais baixa. Desta formar criar-se-iam condições para o aparecimento de graves desigualdades a nível de remunerações na Administração Pública e para a liquidação do direito à contratação colectiva.

9- A CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES COLOCADOS NA S.M.E. COM REMUNERAÇÕES INFERIORES AOS CONTRATADOS EXTERNAMENTE

Como tudo isto já não fosse suficiente, o nº2 do artº 54 estabelece que " a negociação com os candidatos colocados em situação de mobilidade especial é independente da que tenha lugar com os restantes candidatos e, em caso algum, pode condicionar os respectivos limites". E como os trabalhadores em SME estão obrigados, sob pena de serem despedidos, a aceitarem um lugar onde recebam uma remuneração igual à que tinham e sendo esta independente das oferecidas aos candidatos que não estão colocados em tal situação estão assim criadas condições para o agravamento das desigualdades remuneratórias entre os trabalhadores que foram colocados na SME e aqueles que não foram.

10- A VIOLAÇÃO DA IGUALDADE DE ACESSO DE TODOS OS CIDADÃOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Uma das funções mais importantes do direito administrativo é precisamente garantir a igualdade de todos os cidadãos no acesso à Administração. Daí a obrigatoriedade imposta por lei da publicitação dos lugares assim do acesso ser feito através de concurso público com procedimentos rigorosamente estabelecidos e o direito dos candidatos poderem impugnar nos tribunais administrativos qualquer situação que considerem irregular.

Ora nº1 do artº 55 do Projecto de Lei do governo vem violar este principio fundamental do direito administrativo porque estabelece que "o dirigente máximo da entidade empregadora pública pode optar, em alternativa à publicitação do procedimento concursal nele previsto, pelo recurso a diplomados pelo curso de estudos avançados em gestão pública " do INA. E segundo o nº2 do mesmo artigo aqueles diplomados apenas podem ser integrados na carreira de técnico superior" e, de acordo com o nº5, " a remessa da lista ao INA compromete a entidade empregadora pública a, findo o curso, integrar o correspondente número de diplomados". Sabendo que estes cursos com a duração de um ano custam cerca de 5.000 euros, ficam também assim criadas as condições, para que este acesso não sujeito "à publicitação de procedimento concursal" , seja apenas para quem tenha dinheiro ou quem esteja disposto e tenha possibilidades de se endividar, em clara violação do principio de igualdades de todos os cidadão no acesso à Administração Pública.

11- A REDUÇÂO ARBITRÁRIA DAS SEIS CARREIRAS ACTUALMENTE EXISTENTES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A APENAS A TRÊS CARREIRAS

Segundo o artº 48 do projecto de lei, o governo tenciona reduzir as seis carreiras do regime geral que existem actualmente na Administração Pública – técnico superior, técnico, técnico auxiliar, administrativos, auxiliar e operários – a apenas três carreiras que são as seguintes: técnico superior, assistente técnico, e assistente operacional. Portanto, todos os trabalhadores que actualmente estão distribuídos pelas seis carreiras referidas anteriormente, seriam incluídos nestas novas três carreiras. Assim, segundo o artº 94 do projecto de lei, transitariam para a futura carreira geral de técnico superior os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico superior do regime geral e nas carreiras de técnico do regime geral; segundo o artº 96º transitariam para a futura carreira de assistente técnico os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico profissional do regime geral; e finalmente de acordo com o artº 99 do projecto, transitariam para a futura carreira de assistente operacional os trabalhadores que actualmente pertencem às carreiras de pessoal operário do regime geral, de pessoal auxiliar do regime geral, e de encarregado de pessoal auxiliar do regime geral. Em relação aos restantes trabalhadores não referidos anteriormente, com exclusão do chefe de secção, do coordenador técnico das carreiras de técnico profissional de regime geral e do encarregado geral do pessoal operário que seriam integrados em categorias próprias, todos os restantes trabalhadores seriam repartidos pelas três carreiras referidas anteriormente de acordo com a semelhança ou coincidência do grau de "complexidade funcional e conteúdo funcional" o que, devido ao seu carácter genérico, permitiria o maior arbítrio. Esta integração forçada de todos os actuais trabalhadores integrados em seis carreiras em apenas três carreiras obrigará a um aumento da polivalência dos trabalhadores. E tudo isto é feito sem qualquer fundamentação técnica e sem avaliar quais as consequências para os trabalhadores e para os serviços das alterações profundas que o governo tenciona introduzir, pois não apresentou qualquer estudo que as fundamente, a não a ser a repetição da afirmação que o numero de carreiras e categorias actuais é exageradamente elevado.

12- A COLOCAÇÃO DOS TRABALHADORES EM CATEGORIAS COM UMA POSIÇÃO REMUNERATÓRIA INFERIOR NA TRANSIÇÃO PARA AS NOVAS CARREIRAS

O nº2 do artº 103 do projecto de lei do governo estabelece que, na transição para as novas carreiras, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória coincidente com o que recebiam, mas se não for possível tal coincidência, que poderia ser a situação mais habitual, " os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório, previsto para a categoria , cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior (inferior) à remuneração que recebiam". Embora depois se diga que, no entanto, ele "mantém o direito à remuneração base que vem auferindo" , e que será actualizada quando forem actualizados os salários da Administração Pública (nº3), o certo é este posicionamento "previsto para a categoria, cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior", ou seja, inferior, vai afectar a progressão futura do trabalhador quer a nível de posições remuneratórias quer a nível da sua própria carreira profissional.

13- O PODER ASOLUTO DAS CHEFIAS E A POLIVALÊNCIA TOTAL

De acordo com o nº2 do artº 42 do projecto de lei do governo, " o conteúdo funcional de cada carreira ou categoria deve ser descrito de forma abrangente, dispensando pormenorizações relativas à execução das funções", ou seja, com uma generalidade muito grande o que permitiria incluir sempre mais funções, não dando ao trabalhador meios para se poder defender de ser tratado como "pau para toda a obra". E como isso já não fosse suficiente, o nº3 do mesmo artigo, estabelece que " a descrição do conteúdo funcional não pode em caso algum, e sem prejuízo do disposto no artigo 271 da Constituição, que abrange apenas crimes, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudica a atribuição ao trabalhador de tarefas, não expressamente mencionadas". Mesmo uma figura que existia no regime anterior ao 25 de Abril, denominada "respeitosa representação", que significava que se o trabalhador suspeitasse que determinada ordem era ilegal, ele podia pedir que a fosse dada por escrito, mesmo essa "respeitosa representação" não está prevista no projecto de lei do governo.

14- MOBILIDADE INTERNA FORÇADA. SINÓNIMO DE MAIS POLIVALENCIA

De acordo com nº1 do artº 59 do projecto de lei do governo, " a mobilidade interna reveste as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade inter-carreiras ou categorias". E segundo o nº2, a mobilidade na categoria opera-se atribuindo ao trabalhador funções "na mesma área funcional ou em diferentes áreas funcionais". E a mobilidade inter-carreira ou categorias opera-se, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, atribuindo ao trabalhador "funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes a categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontra integrado ou da categoria de que é titular". E segundo o nº1 do artº 62, "a mobilidade interna tem a duração máxima de um ano, excepto quando esteja em causa órgão ou serviço que não pode fazer contratos por tempo indeterminado, caso em que a sua duração é indeterminada". E o nº1 do artº 63 estabelece que "a mobilidade na categoria que se opere dentro do mesmo órgão ou serviço consolida-se definitivamente (mantém-se indefinidamente) por decisão do respectivo dirigente máximo"

15- A REDUÇÃO DOS TRABALHADORES ABRANGIDOS PELO REGIME DE NOMEAÇÃO

Segundo o artº 10 do projecto de lei do governo, futuramente só ficarão abrangidos pelo regime de nomeação os trabalhadores em cujas carreiras se encontrem integradas as seguintes áreas funcionais: (a) Forças Armadas, mas só os do quadro permanentes, portanto os soldados não ficarão; (b) Representação externa do Estado, portanto o pessoal diplomático mas não os trabalhadores consulares; (c) Informação de Segurança, Investigação Criminal, Segurança Pública, mas apenas os operacionais ficando excluídos os administrativos e os de outras funções de apoio para os quais vigoraria o Contrato de Trabalho em Funções Públicas. E mesmo os actuais trabalhadores em regime de nomeação definitiva que não pertençam às áreas referidas anteriormente, segundo o nº4 do artº87, "transitam , sem outras formalidades, para a modalidade de contrato a tempo indeterminado", só mantendo "os regimes de cessação, de reorganização dos serviços e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social próprios de nomeação definitiva". Os restantes trabalhadores actuais, mesmo com contrato por tempo indeterminado nem isto manteriam.

16- MANUTENÇÃO E INTEGRAÇÃO PARCIAL OU TOTAL, OU MESMO A ELIMINAÇÃO DOS SUPLEMENTOS REMUNERATÓRIOS

De acordo com o nº1 do artº 111 do projecto do governo, os suplementos remuneratórios vão ser revistos, e decisão poderá ser será mantê-los total ou parcialmente, integrá-los no todo ou na parte na remuneração base, ou então que "deixem de ser auferidos". Em relação ao aos suplementos em vigor que " não sejam, total ou parcialmente, mantidos ou integrados na remuneração base" continuam, na parte em que tal aconteça "a ser auferidos pelos trabalhadores até ao fim da sua vida" enquanto se mantiverem "na carreira ou na categoria por causa de sua integração ou titularidade adquiriam direitos a eles". No entanto, é preciso não esquecer que com a mudança para as novas carreiras para a esmagadora maioria verificar-se-á uma mudança de carreira e também de categoria. Para além disso, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, " montante pecuniário é insusceptível de qualquer actualização", portanto nunca mais será actualizado.

17- O CONGELAMENTO DAS CARREIRAS ATÉ 2011 PARA A MAIORIA DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De acordo o nº1 do artº 112, durante três anos a contar da publicação deste projecto como lei, só poderiam ser mudados de posição remuneratória ( e dizemos poderiam, pois para isso teria de haver orçamento), os trabalhadores que tivessem " uma menção máxima, no primeiro ano; duas menções imediatamente inferiores à máxima, nos dois primeiros anos; e três menções inferiores às anteriores, desde que consubstanciem desempenho positivo, nos três primeiros anos". Como a esmagadora maioria dos trabalhadores da Administração Pública ficariam nesta terceira situação, até por efeitos das quotas, só eventualmente em 2011 é que poderiam ter alteração remuneratória, mas apenas se existissem disponibilidades orçamentais. Depois de vários anos de congelamento de carreiras, esta disposição é imoral como dissemos directamente ao Secretário de Estado da Administração Pública.

18- A IMPARCIALIDADE COXA DO GOVERNO

A imparcialidade na administração publica, que é necessária para garantir a todos os cidadão o acesso aos serviços publico em igualdade, é garantida através de duas condições, a saber: exclusividade, ou seja, de impedimentos e incompatibilidades, e por meio do vinculo publico de nomeação. Nos artigos 26º a 29º do Projecto de Lei, o governo pretende impor a exclusividade, embora podendo a "entidade competente" permitir a acumulação das funções públicas com actividades privadas, o que abre a possibilidade que a exclusividade seja meramente formal e imposta arbitrariamente, enquanto a outra condição vital para que seja dada segurança ao trabalhador para que ele possa ser imparcial – regime de nomeação – é negada à esmagadora maioria dos trabalhadores pelo govern

19- CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS APENAS PARA EMPRESAS

De acordo com o nº2 do artº 34º do projecto de lei a celebração de contratos de tarefa e de avença só poderão ser com pessoas colectivas, ou seja, com empresas. E, segundo o nº4 do mesmo artigo, para se poder celebrar este tipo de contrato com pessoas singulares é preciso autorização expressa do membro do governo responsável pelas finanças. Por outro lado, o artº 36º e 37º impõe a publicitação em Diário da República (2ª série), ou na página electrónica do respectivo serviço de todo o tipo contratos com excepção precisamente dos contratos de serviços com pessoas colectivas. Esta excepção, que gozariam este tipo de contratos, facilitaria a contratação de trabalhadores através de empresas de trabalho temporário para substituir os trabalhadores em falta ou despedidos, o que já está a suceder, determinando a redução artificial das despesas de pessoal mas o crescimento exponencial das despesas com serviços (tenha-se presente que um trabalhador contratado através de uma empresa de trabalho temporário custa ao Estado três vezes mais), assim como satisfaz uma reivindicação do antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Miguel Júdice, de que o Estado quando precisasse de serviços jurídicos devia consultar os três maiores escritórios de advogados, muitos deles já controlados por estrangeiros.

20- O PROJECTO DE LEI TAMBÉM SE APLICA A TRABALHADORES DAS "EPE" COM VÍNCULO PÚBLICO

Segundo o nº1 e o nº2 do artº 3º, o projecto de lei do governo aplica-se aos serviços de administração directa e indirecta do Estado, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. De acordo com o nº2 do artº 2 do projecto, "sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, o projecto é ainda aplicável, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público". Embora o nº4 do artº 3 estabeleça que não se aplica às entidades públicas empresariais (Hospitais EPE; Estradas de Portugal, EPE; etc.. ), no entanto o artº 85º dispõe que "o presente diploma é também aplicável aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo"; portanto, todos os trabalhadores com vinculo publico, sejam qual a entidade onde trabalhem ficam abrangidos por esta lei, no caso de ela ser aprovada nos termos em que está elaborada.
25/Maio/2007
[*] Economista, edr@mail.telepac.pt

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quarta-feira, 4 de julho de 2007

Sobre as Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal (I – 1935-1947)*

“A obra teórica e política de Álvaro Cunhal imprimiu de tal modo a sua marca no percurso de luta do PCP ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país durante sete dezenas de anos que lhe conferiu a matriz da sua identidade própria e do seu projecto revolucionário”
Francisco Melo** - 29.06.07

Uma consideração objectiva do legado teórico de Álvaro Cunhal (de que aqui se apresenta uma pequena parte), não deixa dúvidas de que o seu estudo é uma das principais vertentes estruturantes da formação política e ideológica dos militantes comunistas, permitindo-lhes, por um lado, consolidar opções, fruto de experiências de vida diferenciadas, e, por outro lado, fundamentar consciente e racionalmente imprescindíveis convicções, ao mesmo tempo que recusar seguidismos acríticos, sempre redutores e isolacionistas.

Porém, a leitura e estudo da obra de Álvaro Cunhal não são apenas importantes para os militantes comunistas. São também indispensáveis para todos quantos queiram conhecer com verdade o que foi o fascismo, o que foi a resistência ao fascismo, o que foi a história do nosso país sob o regime fascista e o que foi o processo libertador do 25 de Abril e as suas realizações, quais foram as formas de que se revestiu a contra-revolução capitalista que tem conduzido o nosso país à ruína, à miséria dos trabalhadores e do povo, à perda da soberania e independência nacionais.

A obra de Álvaro Cunhal é, por isso, uma arma insubstituível para desmistificar a actual ofensiva anticomunista, que raia por vezes o mais grosseiro reaccionarismo, no seu duplo objectivo de, por um lado, ocultar, denegrir e mesmo criminalizar as concepções e a acção histórica dos comunistas na luta dos trabalhadores e do povo contra a exploração e a repressão fascistas e pela liberdade, pela democracia e pelo socialismo; e de, por outro lado, branquear e procurar reabilitar o regime fascista de perseguição, de terror e de morte.

Conhecer a obra de Álvaro Cunhal é fundamental ainda para todos quantos queiram estar na vida e agir de uma forma esclarecida, consciente e, digamos também, digna, pois ela é um exemplo e uma lição de dignidade humana.

Não querendo abusar da vossa paciência passarei apenas brevemente em revista os textos de Álvaro Cunhal reunidos neste I tomo das suas Obras Escolhidas, abrangendo o período de 1935-1947.

Os dois primeiros artigos, publicados na imprensa legal, quando Álvaro Cunhal acabara de fazer 21 anos, evidenciam já uma assimilação não livresca do marxismo, antes alicerçada numa reflexão própria, que irá desenvolvendo com a experiência e o estudo, e que será uma das características fundamentais que fará dele o maior pensador político do século XX em Portugal.

As suas cartas para a Internacional Comunista da Juventude (ICJ) revelam, por outro lado, o dirigente político juvenil, então empenhado na transformação da Federação das Juventudes Comunistas numa organização de massas, liberta de sectarismos, de acordo com as orientações do VI Congresso da Internacional Comunista da Juventude, realizado em Moscovo entre 25 de Setembro e 10 de Outubro de 1935, no qual participara. Tal objectivo só virá a encontrar expressão plena mais de uma década depois com a criação do MUD Juvenil, num caminho longo e difícil de que nos dão conta entre outros os seus informes ao III e IV Congressos do PCP.

Homem de cultura integral, Álvaro Cunhal plasmará os seus conhecimentos e o seu empenhamento político nas suas intervenções críticas — num contexto de uma ditadura fascista no plano interno e de um ascenso impetuoso do fascismo e do nazismo no plano internacional — em domínios como as artes plásticas e a literatura, como o patenteiam as cartas a Abel Salazar e os artigos publicados na Seara Nova em que polemiza com José Régio pela atitude deste, como mais tarde explicitaria, de «renúncia a resistir», de «recusa a olhar o mundo e os seus problemas», de «condenação desdenhosa daqueles que intervinham no combate»[1]. Em resumo: pela concepção de Régio, que poderíamos designar de autotélica, porque negadora de qualquer condicionamento social da finalidade da acção humana e da obra de arte.

É também naquele contexto e naquele tempo de dominação nazi-fascista que mergulham as suas raízes as reflexões, de cunho ético, humanista e sociológico, em que transparece uma surpreendente maturidade, sobre os intelectuais e sobre a responsabilidade histórica individual, sobre a situação das crianças e dos jovens, sobre a sexualidade e o amor, expressas nos artigos publicados em O Diabo e Sol Nascente.

O desencadear da Segunda Guerra Mundial levará Álvaro Cunhal, ainda em artigos publicados em O Diabo, a uma contundente crítica da demagogia e hipocrisia na justificação da guerra por parte dos seus protagonistas iniciais (Alemanha, França e Inglaterra) e a uma acesa polémica com Câmara Reys, director da Seara Nova, com cujos responsáveis cortara relações por estarem «a reproduzir e a valorizar as interpretações fascistas dos […] acontecimentos mundiais» [2] de então nas páginas da revista.

No ensaio O Aborto. Causas e soluções, com base numa concepção materialista da história, Álvaro Cunhal analisa as teorias sobre a população, a natalidade e o aborto como reflexos de diferentes etapas do capitalismo, passando depois para a consideração das causas económicas, sociais e morais do aborto, mostrando a «catástrofe» que o aborto clandestino representa e o carácter prejudicial, degradante e inútil da legislação repressiva nesta matéria. De passagem evidencia as vantagens alcançadas com a legalização do aborto na URSS. Finalmente, apoiando-se em dados estatísticos, mostra o «flagelo» do aborto clandestino em Portugal, defendendo a sua legalização, enquanto subsistirem as causas que a ele conduzem.

A participação de Álvaro Cunhal na reorganização do Partido empreendida em 1940-1941 vai fazê-lo emergir como dirigente político-partidário destacado, aplicando o marxismo-leninismo tendo em conta o concreto do fascismo em Portugal, integrado na conjuntura internacional da Segunda Guerra Mundial. A este respeito, uma prevenção deve desde já ser feita ad usum de apressados comentadores: o concreto é de ser entendido aqui não como um somatório de um empírico vivido (embora o contenha), mas como uma totalidade estruturada de determinações objectivas diversificadas, totalidade em movimento resultante da resistência e da luta das suas contradições internas. Luta que, porque humanamente mediada, é susceptível de configurações históricas em aberto, mas não arbitrárias porque inscritas dentro das possibilidades reais. É esta profunda compreensão da dialéctica materialista que faz com que a acção política de Álvaro Cunhal seja incompatível com qualquer prossecução pragmática do êxito imediato ou com qualquer crença reconfortante num desenrolar teleológico da história, automática ou mecanicamente submetido a uma finalidade.

Esclarecido isto, prossigamos então com a análise dos seus escritos. Os informes ao III Congresso, realizado em finais de 1943, procuram apreender o desenvolvimento do fascismo e da luta pelo seu derrube e intervir nesse desenvolvimento com base na experiência adquirida, por um lado, com a reorganização do Partido e com a luta de massas (em que se destacam as greves de Outubro-Novembro de 1942 e mais ainda as de Julho-Agosto de 1943 em que o Partido se assumiu como a vanguarda da classe operária); experiência adquirida, por outro lado, com os esforços para unir todas as forças progressistas e patrióticas do país na luta contra a política de traição nacional do fascismo.

E assim, reflectindo e simultaneamente modelando o Partido pela intervenção prática e teórica (em que a componente crítica e autocrítica está sempre presente), Álvaro Cunhal assume-se como a sua expressão cada vez mais plena e carismática. Com o III Congresso, o partido da classe operária e dos trabalhadores portugueses, o partido conglomerador de todos os antifascistas, o partido da luta pela liberdade, pela democracia e pela independência dos povos, começa a forjar um património político que perdurará para o futuro.
Publicam-se em seguida neste I tomo dois conjuntos de cartas.

O primeiro revela-nos a intervenção constante e directa de Álvaro Cunhal na organização, no funcionamento e na concepção do Conselho Nacional de Unidade Antifascista, depois designado por MUNAF (cuja criação é divulgada em Janeiro de 1944), Conselho Nacional concebido como um amplo movimento unitário virado para o trabalho de massas e agindo articuladamente com a luta das classes trabalhadoras para a «criação da situação insurreccional, no decurso da qual o fascismo seria derrubado pela força» e instaurado na sequência desse derrube assim conseguido um «Governo Nacional Democrático».

O segundo conjunto de cartas, escritas ao longo de 1944, evidencia a importância com que eram encaradas as relações com a Organização Comunista Prisional do Tarrafal (OCPT), de que faziam parte destacados quadros do Partido, aos quais ele transmite clandestinamente, ultrapassando a distância e as rigorosas condições de isolamento, uma informação pormenorizada de todos os aspectos da actividade político-partidária.

O ano de 1945 ficou marcado no plano sindical pelo facto de, pela primeira vez desde a dissolução dos sindicatos livres em 1933-1934, seguindo a orientação do Partido, os trabalhadores terem acorrido em massa às eleições para os Sindicatos Nacionais logrando alcançar a eleição em dezenas de sindicatos de direcções de homens honrados. Álvaro Cunhal, assinalando esse facto, analisa também as deficiências verificadas com vista à concorrência a futuras eleições.
Da participação de Álvaro Cunhal no IV Congresso, realizado em 1946, dão-nos conta os dois informes que apresentou: O Caminho para o Derrubamento do Fascismo e Organização. Publicamos também neste I tomo o extenso Prefácio que escreveu, em 1997, para a reedição do primeiro informe por permitir uma compreensão plena da importância histórica do IV Congresso, no qual encontraram uma definição paradigmática, permitindo projectá-las para a actualidade, características identitárias do PCP e do seu projecto político de transformação revolucionária da sociedade.

Quando da realização do Congresso, o fascismo fora derrotado na guerra, mas assistia-se, por parte dos países capitalistas, ao desencadeamento de uma nova ofensiva anticomunista que se traduzia em Portugal no apoio à ditadura salazarista ao serviço dos monopolistas e latifundiários, agravando a dependência económico do país. Ao analisar essa situação, o informe político de Álvaro Cunhal veio pôr claramente a nu a ligação indissolúvel no nosso país entre a luta pela liberdade e a democracia e a defesa da independência nacional. É uma tese que conserva plena validade nos nossos dias.

Ao acentuar que «Salazar e a sua camarilha pela força e só pela força se têm mantido no poder» e que portanto «para os derrubar será preciso o emprego da força» — entendendo-se por tal um «levantamento nacional», uma «insurreição nacional contra o fascismo» -, Álvaro Cunhal, ao mesmo tempo, rejeitava veementemente as concepções que entendiam por emprego da força um golpe militar putschista ou uma «revolução de palácio», desligados das lutas de massas. Simultaneamente desmistificava a passividade, o «atentismo», dos que, no movimento democrático, esperavam de acções exteriores por parte das democracias burguesas o «milagre» da queda da ditadura fascista, assim como não poupava as propostas dos que, no próprio Partido, apontavam como sendo objectivo deste «a desagregação do fascismo» de que resultaria uma «queda pacífica de Salazar». Era a «política de transição», alvo de uma intensa crítica de Álvaro Cunhal como concepção direitista, de abdicação da revolução e de destruição do Partido como organização política autónoma e de classe, como vanguarda revolucionária da classe operária e de todos os trabalhadores. A crítica do oportunismo feita no IV Congresso mantém plena actualidade, pois ele espreita sempre em cada curva da história como a experiência tem demonstrado.

Os informes de Álvaro Cunhal mostraram a importância das organizações unitárias quando estreitamente ligadas às massas e actuando como organizadoras e impulsionadoras da acção das próprias massas. No caso da luta sindical, tal orientação permitiu significativos progressos na concretização da linha definida no III Congresso de «converter os Sindicatos Nacionais, de organismos defensores dos interesses do patronato, em organismos defensores dos interesses da classe operária» e apontar a perspectiva da «criação dum movimento sindical unificado à escala nacional». Foi a arrancada histórica para a ulterior formação de um movimento sindical nacional de classe, independente, democrático e unitário, que hoje continua a resistir e a lutar em defesa dos interesses dos trabalhadores e do país.

Os textos de Álvaro Cunhal mostram-nos como, além da justeza da linha política, o reforço das organizações de base e da ligação destas à Direcção central e às massas tiveram — e a experiência mostra-nos que continuam a ter — um papel fundamental no desenvolvimento da luta da classe operária, das massas populares e da unidade democrática, no alcançar de êxitos na acção política e no aumento da influência do Partido.

De grande significado e importância se revestiu a caracterização do «centralismo democrático» de acordo com a experiência histórica do Partido. Como Álvaro Cunhal acentua no Prefácio, aos «quatro elementos» clássicos são acrescentados «o direito dos militantes do Partido discutirem democraticamente toda a orientação», a crítica e autocrítica são consideradas «uma base fundamental de trabalho», é estabelecida a obrigatoriedade da «prestação de contas» e de «formas democráticas de trabalho sempre que não colidam com o trabalho conspirativo», a «disciplina de ferro» é associada aos direitos democráticos dos militantes e é conferido o valor de princípio à «ligação às massas sem partido». O Partido surgia assim como «Partido leninista definido com a experiência própria», tal como hoje continua a suceder, em que a direcção colectiva e o trabalho colectivo se tornaram traços distintivos e determinantes do estilo de trabalho do Partido e que encontrariam a sua plena expressão enquanto integrantes do conceito de «colectivo partidário».

No informe sobre Organização, Álvaro Cunhal lembra que qualquer militante «pode e deve, por via da organização, participar na elaboração da linha política e táctica do Partido», que «dentro do Partido são admitidas divergências de opinião», sendo estas «mesmo vantajosas para o Partido, quando se manifestam dentro das normas orgânicas do Partido». Mas eram excluídos evidentemente, para «defesa da unidade do Partido», a existência de «todos e quaisquer grupos, formados dentro do Partido, à base de “linhas políticas próprias”, ou “plataformas políticas”, ou concepções próprias de trabalho»; eram excluídos «todos e quaisquer grupos formados dentro do Partido à volta deste ou daquele camarada.”» A história comprovou a justeza destas orientações.

Passado um ano, Álvaro Cunhal vai apresentar ao Comité Central um extenso informe intitulado Unidade, Garantia da Vitória no qual submete a pormenorizado exame a ofensiva imperialista anglo-norte-americana, apoiada pelo Vaticano, e a política de alinhamento de Salazar com ela para se manter no poder.

A política económica do salazarismo é em seguida analisada, concluindo-se que ela condenou o país ao atraso e, «protegendo os lucros fabulosos, entregando a agricultura, os transportes, os abastecimentos, aos monopólios corporativos, intensificando a exploração das classes trabalhadoras, espoliando o pequeno produtor, reduziu a produção, deu campo livre à alta dos preços e ao mercado negro.» Por outro lado, em vez da «aplicação dos proventos do Estado em obras reprodutivas, o salazarismo absorveu-os na constituição de um gigantesco aparelho repressivo, na propaganda, nas conspiratas com a reacção internacional, na burocracia, na corrupção que invade os organismos do Estado». Acresce que também «as reservas monetárias, em vez de aplicadas no apetrechamento técnico da nossa agricultura, indústria, transportes» foram aplicadas na importação de «géneros de primeira necessidade, concorrendo com a produção nacional». E, conclui Álvaro Cunhal, com a continuação dessa política, «a economia nacional tem diante de si perspectivas de uma grave crise e duma intervenção cada vez maior do capital estrangeiro, reduzindo a uma imagem literária a independência portuguesa».

Por tudo isso, «a nação está contra Salazar», diz Álvaro Cunhal. E porque o está, ele «não concede liberdades nem convoca eleições livres» ao mesmo tempo que «procura atrair os elementos mais vacilantes» do campo democrático e «mostrar que os comunistas são o único obstáculo à concessão das liberdades e à intervenção dos outros democratas na vida política» com o objectivo de «quebrar a unidade democrática» e de criar uma «oposição inofensiva». Não sem «alguns sucessos», o que revela a existência de perigos para a unidade e para os quais Álvaro Cunhal adverte.

A última parte do informe é dedicado ao Partido. Três aspectos fundamentais são considerados: «o seu fortalecimento ideológico», «a sua consolidação orgânica», e «o desenvolvimento dos quadros.

Abordaremos apenas o primeiro aspecto.

Álvaro Cunhal começa por fazer uma explanação sobre «a autêntica revisão do marxismo» empreendida por Browder, secretário-geral do Partido Comunista dos Estados Unidos, proclamando o fim da luta de classes e do imperialismo e preconizando a dissolução dos partidos operários. Analisa depois «tendências paralelas» ou opiniões baseadas nas de Browder no nosso Partido, concluindo pela necessidade «duma extrema vigilância política e da fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo».

De seguida é retomada e desenvolvida a crítica à «política de transição» feita no IV Congresso, procurando-se agora pôr «verdadeiramente a nu a raiz oportunista dessas concepções», a sua filiação numa «análise não-marxista da situação» de modo a impedir que essas concepções renasçam.

É com considerações sobre o marxismo-leninismo que Álvaro Cunhal encerra este ponto, acentuando que ele «é uma ciência ligada à vida e às condições de lugar e de tempo, uma ciência que se enriquece com novas experiências e novos conhecimentos», não nos dando pois «receitas para cada situação difícil». É por isso imprescindível, acentua, que o «estudo dos teóricos do marxismo seja acompanhado pelo estudo da realidade portuguesa» e «com a preocupação constante da tarefa que os comunistas portugueses têm diante de si». A exigência do estudo concreto da realidade portuguesa em conexão com os objectivos do derrube do fascismo e da transformação revolucionária da sociedade significa a total rejeição quer do dogmatismo, incapaz de apreender o movimento do real, quer do oportunismo, que Engels, na sequência aliás do Manifesto, lapidarmente definiu como o «abandonar do futuro do movimento por causa do presente do movimento» [3].

Transcrevem-se a seguir no presente tomo dois textos de Álvaro Cunhal sobre as greves de Abril de 1947 dos operários das construções e reparações navais.
No primeiro, em que se debruça sobre os problemas de orientação, começa por salientar «a vitória que constituiu, para os operários de Lisboa e para o PCP, a greve de Abril», passando em seguida a fazer uma apreciação crítica das orientações do Partido face ao evoluir da greve.

No segundo, dedicado às questões de organização, Álvaro Cunhal mostra como «a condução dum movimento de massas exige a existência de organismos capazes de acompanhar a situação e dirigir as massas em todas as fases do movimento» As deficiências verificadas neste campo não permitiram «assegurar a direcção diária da greve, sobretudo a partir do momento em que o fascismo encerrou fábricas, prendeu operários, espancou manifestantes e fez cair sobre as massas uma violenta repressão».

No texto intitulado «Notas à margem do trabalho de Vilar: o Latifúndio e a Reforma Agrária» Álvaro Cunhal considera o trabalho de Fogaça (Vilar) de grande importância e de leitura obrigatória para «os camaradas responsáveis do Alentejo, Ribatejo e Trás-os-Montes».

Contudo, dispondo de um conhecimento teórico e metodológico muito mais sólido das questões agrárias, Álvaro Cunhal aponta logo de início a principal deficiência do estudo de Fogaça: a de que «não é dada uma ideia clara da diferença entre latifúndio e grande exploração capitalista, não se apresenta o papel do latifúndio no desenvolvimento do capitalismo, nada se diz dos progressos do capitalismo na agricultura portuguesa». «E de tudo isto resulta que não são expostas ideias claras e justas sobre a grande e a pequena exploração agrícola», que Álvaro Cunhal considera «um problema fundamental» quando se trata da reforma agrária.

Além dos textos referidos, representativos das diferentes fases e diversas facetas da produção teórico-política de Álvaro Cunhal, todos assinados com o seu nome ou com pseudónimos, incluem-se no presente tomo outros não assinados por si ou mesmo subscritos por organismos dirigentes do Partido, mas que sabemos por testemunhos escritos inquestionáveis serem de sua autoria. Ao inseri-los como Anexos apenas pretendemos assinalar essa diferença formal [4].

Também sobre cada um deles queremos fazer aqui uma breve referência.

No primeiro, intitulado O Partido Comunista ante Algumas Tendências Prejudiciais dentro do Movimento de Unidade Democrática, são retomadas, à luz de casos então verificados, as críticas a tendências oportunistas no Movimento de Unidade Democrática (MUD) feitas no IV Congresso e noutros documentos. Álvaro Cunhal refere, nomeadamente, a «velha e prejudicial tendência» para esperar a «queda automática» do fascismo, a qual se manifesta-se na «elaboração de grandes planos para depois» com a consequente distracção das «atenções dos problemas presentes, criando ilusões de que o fascismo cairá sem ser por nossa acção e levantando elementos de divergências e desentendimentos» entre as forças antifascistas, os quais analisa em concreto.

As células de empresa, surgidas na sequência da reorganização de 1940-1941, viriam a ocupar um lugar central na organização e actividade do Partido. A obra A Célula de Empresa, publicada pela primeira vez em 1943, enquanto síntese da experiência de organização e de luta do Partido, tornar-se-ia emblemática na história do Partido. Álvaro Cunhal começa por abordar a célula de empresa na decorrência da concepção leninista do Partido e da natureza de classe deste: Partido da classe operária é nos locais de trabalho que se situa a sua organização básica — a célula de empresa. Passa em seguida a uma análise pormenorizada, feita de forma pedagógica, da estruturação das células de empresa, do seu funcionamento interno, da sua ligação com as lutas reivindicativas, que lhes compete «impulsionar e dirigir», da sua ligação com a luta sindical, da sua ligação com o Movimento de Unidade Democrática, etc. A concluir, Álvaro Cunhal detém-se na questão do recrutamento, nos cuidados a observar na admissão de novos militantes, na defesa da repressão observando as regras conspirativas.

Em síntese: à célula de empresa cabe «orientar, comandar as batalhas que os trabalhadores da empresa travam contra os patrões, contra as formas de exploração e dominação do capitalismo, contra a miséria e o terror do salazarismo».

Em O Partido Comunista, os Católicos e a Igreja, Álvaro Cunhal começa por lembrar que o «Partido Comunista, ainda que tendo como base teórica o materialismo dialéctico, entende que as convicções religiosas, por si só, não são susceptíveis de afastar os homens na realização de um programa social e político e que, desta forma, comunistas e católicos podem e devem unir-se em defesa dos seu anseios comuns, em defesa dos interesses e aspirações dos deserdados e ofendidos, do povo e do país». E pergunta: qual a resposta que os católicos têm dado a esta posição do Partido? «Aqui há que distinguir», diz Álvaro Cunhal, entre, por um lado, «os trabalhadores católicos, assim como muitos católicos progressistas, particularmente jovens» que «têm compreendido a necessidade desta união e têm engrossado a frente da luta pelo pão, pela liberdade, pelo progresso e pela independência»; e, por outro, a Igreja Católica que «pela boca dos seus mais autorizados representantes» tem intervindo activamente «ao lado da ditadura fascista contra as aspirações democráticas do povo português». É esta intervenção da Igreja Católica que passa então a historiar com abundância de exemplos tirados das declarações do seu mais alto representante, o Cardeal Cerejeira, e das palavras da imprensa regional católica, nos últimos anos.

Afirmando em seguida que o «apoio que a Igreja dá a Salazar deriva também de instruções vindas de Roma», Álvaro Cunhal cita vários exemplos dessas instruções, integradas na política externa do Vaticano, a qual mostra caracterizar-se «pela pregação e preparação activa da cruzada anti-soviética, pela luta contra todas as realizações democráticas, pela defesa do fascismo sobrevivente e preparação da sua revanche».

Depois de pôr a descoberto a hipocrisia e a falsidade das proclamações da política social da Igreja, dirige-se aos católicos: «Se temos aspirações comuns, devemos agir em comum para a sua realização.» E termina, voltando-se para o futuro: «O nosso desejo é que, na obra de reconstrução democrática de Portugal, não haja convicções religiosas nem ideias filosóficas que afastem os homens e prejudiquem o seu esforço conjugado para assegurar ao nosso Povo e à nossa Pátria dias melhores e mais livres.»

A obra teórica e política de Álvaro Cunhal imprimiu de tal modo a sua marca no percurso de luta do PCP ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país durante sete dezenas de anos que lhe conferiu a matriz da sua identidade própria e do seu projecto revolucionário. Esta identidade e este projecto, ao terem mostrado ser capazes de resistir e afirmar-se contra ventos e marés adversos da história, constituíram-se em património inalienável do Partido a que Álvaro Cunhal dedicou a sua penetrante inteligência, a riqueza da sua multifacetada personalidade e a sua inexcedível capacidade de trabalho.
Esse património, ao perviver e frutificar no quadro duma globalização capitalista rapace e terrorista, substancia uma responsabilidade iniludível do PCP, na medida em que dá um alcance internacional, não obstante as suas originalidades e particularidades, à sua experiência histórica de transformação revolucionária da sociedade. Preservar esse património, desenvolvendo-o e enriquecendo-o, é a melhor prova do nosso reconhecimento, da nossa fidelidade à mensagem mais profunda de Álvaro Cunhal: que é sermos capazes de, teórica e praticamente, enfrentarmos e superarmos os tremendos desafios que hoje se nos colocam. Intervindo hoje, tal como ontem, tal como amanhã, na dialéctica objectiva da história. Revolucionariamente.

Notas:
[1] Álvaro Cunhal, A Arte, o Artista e a Sociedade, Editorial Caminho, Lisboa, 1996, p. 96.
[2] Arquivo Militar Especial, Lisboa, processo n.º 214/40.
[3] Ver F. Engels, Para a Crítica do Projecto de Programa Social-Democrata de 1891, in K. Marx/F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, t. 3, 1985, p. 484. Já no Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels tinham acentuado como característica distintiva dos comunistas o facto de que «no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento» (ver K. Marx/F. Engels, Manifesto do Partido Comunista, Edições «Avante!», Lisboa, 2.ª edição, 1997, p. 71.).
[4] Se Fores Preso, Camarada (1947) é um texto igualmente de Álvaro Cunhal que publicaremos no tomo II das Obras Escolhidas, de acordo com o critério que adoptámos de publicar a versão mais recente de uma obra desde que feita pelo seu autor originário.


* Este texto foi escrito para o lançamento do tomo I (1935-1947) das Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, em Lisboa, 6 de Março de 2007.

** Ensaísta e director da Editorial Avante



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