segunda-feira, 19 de maio de 2008

Dez anos do euro

por Ilda Figueiredo


Portugal é um triste exemplo da prioridade dada às políticas monetaristas, ao cumprimento dos irracionais critérios do Pacto de Estabilidade, às orientações do Banco Central Europeu.
Este mês assinalaram-se os dez anos do euro, embora tenha sido um debate de fraco entusiasmo, apesar do optimismo do comissário Almunia no seu discurso no Parlamento Europeu. O mínimo que se pode dizer é que é impressionante continuar a ouvir a Comissão e os principais responsáveis da União Europeia a falar dos êxitos da Zona Euro, mesmo quando as próprias estatísticas demonstram o contrário, seja em termos de crescimento económico, seja de qualidade de vida das populações. Claro que os êxitos a que se referem são os aumentos dos lucros e os fabulosos ganhos que os grupos económicos e financeiros conseguiram durante estes primeiros dez anos da União Económica e Monetária.
Mas é inadmissível que, sistematicamente, esqueçam o agravamento das desigualdades sociais, o aumento do trabalho precário e mal pago, que atira cada vez mais milhões de trabalhadores para situações de pobreza, agravando a sua exploração e impedindo que tenham condições para garantir aos seus filhos uma vida digna.
Por isso, não espanta que o plano que a Comissão Europeia apresenta seja mais do mesmo: mais vigilância económica para garantir maior competitividade e estabilidade financeira aos grupos económicos, maior supervisão orçamental para pressionar à liberalização de serviços públicos e maior pressão e fiscalização para impedir aumentos de salários.
Ora, não se pode aceitar que a questão do controlo dos salários seja sempre a medida primeira que defendem, esquecendo que estes representam cada vez menor percentagem nos custos das empresas e do próprio rendimento nacional.
Portugal é um triste exemplo da prioridade dada às políticas monetaristas, ao cumprimento dos irracionais critérios do Pacto de Estabilidade, às orientações do Banco Central Europeu. É o agravamento do desemprego, a crescente precariedade das relações laborais e a degradação progressiva das condições de vida e de trabalho, com uma diminuição sucessiva dos salários reais, particularmente na função pública, a privatização e o encerramento de serviços públicos essenciais, o ataque à saúde pública e à educação.
Esta situação agravou-se após 2002, coincidindo com a entrada em circulação do euro. A verdade é que a estrutura económica portuguesa era demasiado frágil para suportar a aplicação uniforme de medidas monetaristas, que interessam aos países mais ricos e poderosos, e não têm em conta as debilidades económicas e sociais de outros. Ao deixar de poder utilizar a desvalorização do escudo para promover as exportações, ou a baixa das taxas de juro para acelerar investimentos, Portugal perdeu mecanismos de intervenção que agravaram a situação económica e social.
A obsessão do cumprimento do Pacto de Estabilidade, mesmo com a introdução posterior de alguma flexibilidade, serviu aos sucessivos governos portugueses de pretexto para intensificar políticas neoliberais, para o corte cego de investimentos públicos, o congelamento e perda do poder de compra dos salários, a manutenção de pensões de miséria, a redução de outras prestações sociais, e dificultou a própria utilização dos fundos comunitários, como aconteceu na agricultura. Contribuiu, igualmente, para a diminuição do PIB. Até a sua lenta recuperação está já ameaçada e Portugal continua a divergir da média comunitária, sem alteração à vista, se não houver uma ruptura com estas políticas.
O que estamos a viver é o resultado da insistência nestas políticas monetaristas, a que se vieram juntar as propostas da chamada Estratégia de Lisboa, com as liberalizações, designadamente nos serviços financeiros e áreas conexas, na energia, em certas áreas dos transportes, serviços postais e serviços em geral.
Há, entretanto, uma crescente pressão para novas regras da concorrência a cada vez mais serviços e concursos públicos, a harmonização de certos aspectos da tributação e também a pressão sobre as pensões e reformas e a saúde, visando a privatização de alguns serviços mais lucrativos, a que se junta a pressão para liberalizar os despedimentos sem justa causa, através da proposta de novas alterações do código laboral, ou seja, a aplicação da "flexigurança" à portuguesa.
Por isso, continuamos a defender uma ruptura com estas políticas monetaristas, a substituição do Pacto de Estabilidade por um verdadeiro Pacto de Progresso e Desenvolvimento Social, a aposta no investimento público e em serviços públicos de qualidade, a prioridade ao emprego com direitos, à produção e a medidas que dignifiquem quem trabalha, além do combate aos estatutos e orientações do BCE.
Mas, também por isso, teremos a intensificação de lutas pela defesa das conquistas de Abril, dos direitos dos trabalhadores, das condições de vida das populações, contra estas políticas neoliberais, de que é exemplo a manifestação nacional convocada pela CGTP, para o próximo dia 5 de Junho.

Deputada do PCP no PE


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    domingo, 18 de maio de 2008

    A crise dos cereais

    Um dos grandes temas da actualidade é o da crise alimentar. O momento que se vive é de facto preocupante. Cerca de dois mil e quinhentos milhões de pessoas sobrevivem com menos de dois dólares por dia.

    Estes seres humanos e muitos outros dependem de pequenas rações diárias de arroz ou de trigo. Ainda que não tenham acesso aos grandes meios de comunicação social onde se produz o elevado e preocupado debate sobre as causas e as consequências da situação, sabem bem o que ela significa. Sentem-na na barriga, todos os dias.

    A especulação como motor dos aumentos de preços

    Os preços dos cereais estão em alta, com acréscimos da ordem dos 50% (no caso do trigo mole) a 80% (no caso das rações animais e comparando com o preço de há um ano atrás). Atrás deles vem o aumento do preço da carne, do leite, das massas alimentícias, etc. Isto tem a ver com o aumento da procura, com as condições climatéricas e as suas alterações que condicionam a produção agrícola, ou ainda com a opção política de produzir combustíveis a partir de cereais, desviando produções que deveriam servir para alimentar as populações, para fazer andar a frota automóvel. Mas fundamentalmente decorre da especulação com os preços do petróleo, e nos “mercados de futuros” de cereais.

    Ou seja, o preço dos cereais é determinado, não pelos sacrossantos mecanismos de mercado, mas pelas trocas realizadas na Bolsa de Chicago, onde o que se está a vender hoje, são os cereais que se irão produzir dentro de três ou quatro anos.
    É óbvio que vender e comprar sobre um bem tão incerto como os cereais, cuja produção está condicionada por factores que o homem não controla, abre espaço a todas as especulações. Para os senhores da grande finança internacional gerarem meios para mais especulação, vale tudo.


    Os infindáveis lucros da grande agro-indústria


    Neste quadro quem ganha? Ganham as grandes empresas da agro-indústria que dominam os meandros das negociações de Doha, da OMC, da União Europeia. Ganha, por exemplo, a multinacional Monsanto, uma das maiores corporações agro-alimentares do mundo, cujos administradores provêm directamente da Casa Branca ou para lá transitam em comissões de serviço, que quer impor os seus produtos, as suas sementes, os seus pesticidas e os seus métodos aos povos do mundo.
    A Monsanto, principal fornecedora mundial de Organismos Geneticamente Modificados, os famosos transgénicos, detém mais de 40% da área cultivada de milho, só no Brasil.

    Só no último trimestre de 2007, a Monsanto teve lucros líquidos na ordem dos 256 milhões de dólares, triplicando o seu resultado anterior.


    A destruição da agricultura nacional

    Não é possível esquecer quais as condições em que Portugal enfrenta esta crise. Portugal foi um país com uma significativa produção. Com a Reforma Agrária, nos campos do Alentejo abriu-se o caminho que garantia o trabalho, desenvolvia a produção de cereais e permitia a fixação da população. Nas terras da Beira e em Trás-os-Montes a produção familiar de aveia e outros cereais contribuía para a alimentação própria e dos gados da casa. O milho cresceu sempre nos campos do Minho e da Beira Litoral. O arroz teve fartas produções no Baixo Mondego, no Sorraia e no Litoral Alentejano.
    Mas as políticas agrícolas da União Europeia e a subserviência dos Governos nacionais levaram à destruição da agricultura nacional e ao abandono dos campos. Só nos últimos 20 anos desapareceram 250 mil explorações agrícolas.
    Aumento dos custos de produção, liberalização dos mercados, subsídios para não produzir, distribuição desigual dos apoios públicos que caiem nas mãos dos grandes agrários, encerramento de serviços, entrega dos silos de recolha dos cereais aos interesses privados, são algumas das razões desta situação.
    Assim, estamos hoje dependentes em cerca de 60% das importações de produtos alimentares.

    O capitalismo em causa

    Pequenos agricultores, pequenos proprietários e rendeiros, assistem espantados a esta procissão de notícias sobre a alta dos preços. Apesar dela, apesar de trabalharem de sol a sol, sejam os anos agrícolas bons ou maus, veem o valor dos seus produtos diminuir de ano para ano. Não são os agricultores os beneficiários destas políticas. Hoje vendem o milho ao mesmo preço que vendiam há 30 anos. Vendem os bezerros com 15 dias a menos de metade do valor de há 10 anos.
    O que esta crise alimentar põe a nu é a natureza preadora do capitalismo. Na ânsia de procurar sempre maiores lucros, o capital dirige as suas atenções para novos mercados, novos produtos. Ainda que isso ponha em causa a vida de milhões de seres humanos.
    De um lado estão as grandes multinacionais, o capital que suga as riquezas naturais e explora os povos de todo o mundo. Do outro lado da injustiça estão os pequenos produtores. Os que, face aos aumentos dos custos dos factores de produção, por um lado, e do esmagamento dos preços pagos pelos intermediários, por outro, se vêm a braços com a baixa acentuada dos rendimentos. E estão os que dependem dos cereais para sobreviver.

    O caminho é o da luta pela soberania alimentar e pelo desenvolvimento da agricultura nacional, pela alteração do uso e posse da terra, pela valorização da agricultura familiar, por um ruptura com as actuais políticas agrícolas.

    O caminho é o da luta pela superação do capitalismo.

    João Frazão
    www.avante.pt


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